26 de março de 2012

Cinco Sentidos

   A Justiça tem um cheiro característico, o cheiro de móveis pré-fabricados misturado com o odor típico do ar condicionado. Nos lugares mais fechados, e menos ventilados, é preponderante o cheiro do papel velho. Com a virtualização dos processos, talvez a Justiça perca seu cheiro.
   Além disso, a Justiça tem uma aparência. Ela, em geral, é formatada em Times New Roman, fonte 12, margem esquerda de 3 cm, impressa em papel A4, capa de papelão colorida, brasão da República, armários de ferro, paredes brancas, tudo disposto como um grande escritório comercial. É certo que com o advento da digitalização ela perderá muito dessa forma.
   A Justiça tem um som. O constante ruído do compressor do ar condicionado, o barulho dos calçados pelos corredores abarrotados de processos, as ventoinhas dos computadores, o rugido da impressora no meio da secretaria, o folhear das páginas dos autos. Muitas dessas notas se perderão com o processo judicial eletrônico.
   A Justiça onde trabalho tem também uma textura. A textura do sulfite, do barbante que amarra os processos, do umidificador de dedos, da caneta esferográfica sextavada, dos arames entortados dos clips, do frio extrator de grampos cromado. Texturas estas que serão esquecidas na repartição digitalizada.
   A Justiça só não tem um sabor. Ela não nos entra pela boca. Ela é uma saliva engolida a seco, diante do tempo que passa, convicto, pelos nossos quatro outros sentidos.