Hoje o dia amanheceu frio no Brasil Central.
Acordei lembrando-me da cidade que deixei para trás há alguns anos.
Fui para o trabalho acreditando que o cartório estaria quente, apesar da frieza burocrática. A arquitetura do prédio onde trabalho não favorece muito a troca de calor entre o interior e o exterior. Atravessei o estacionamento com essa esperança ardendo em minha alma.
Ledo engano.
Quando cheguei à repartição, as duas grandes máquinas de refrigeração de ar estavam funcionando a todo vapor.
Entrei na sala, senti o frio glacial, dei um passo para trás. Da porta para dentro o recinto parecia uma câmara fria. Faltavam apenas as peças de carne penduradas por ganchos. Não conseguia acreditar na falta de bom senso do infeliz que ligara os aparelhos. Se o clima não fosse tão seco por aqui, haveriam estalactites de gelo descendo do teto.
Não havia ninguém no cartório. Se ali houvessem pessoas, estariam duras como estátuas e sem os sinais vitais. Etiquetadas e guardadas nos armários dos processos.
Os compressores dos condicionadores de ar faziam-se ouvir à distância, ininterruptamente.
Olhei em volta para verificar se não havia algum espírito sádico rindo-se atrás de algum armário. Aquilo só podia ser uma brincadeira.
Que diabos estava acontecendo?
Logo, passaram pelo corredor alguns técnicos em refrigeração, com escadas e alguns metros de fiação elétrica.
Com um pouco de atraso, liguei os pontos. Como nesta segunda-feira o ponto era facultativo, a administração decidiu fazer a manutenção dos aparelhos de ar-condicionado.
Perguntei se poderia desligar os aparelhos. Não havia impedimentos. Os compressores lentamente silenciaram. Sentei-me em minha estação de serviço, abri o primeiro processo. As folhas estavam geladas. Os processos, sem calor algum, como cadáveres.
Aos poucos, esqueci do frio e deixei-me absorver pela rotineira autópsia dos autos.