MAR
PORTUGUÊS
"Ó mar
salgado, quanto do teu sal
São
lágrimas de Portugal!
Por te
cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos
filhos em vão rezaram!
Quantas
noivas ficaram por casar
Para
que fosses nosso, ó mar!
Valeu
a pena? Tudo vale a pena
Se a
alma não é pequena".
Fernando
Pessoa
O Brasil tem as
costas e a corcunda mergulhadas no Oceano Atlântico.
Pegue um mapa mundi
qualquer e veja lá se esse território gigante não tem a canastra e
o cupim bem molhados pelo azul que inunda o globo.
E esse jeito de
deitar-se no mundo, de se acomodar no planeta, deu ao Brasil um
grande litoral, cheio de praias. Ipanema, Copacabana, Praia Grande,
Brava, Jurerê, do Espelho, do Forte, do Rosa, da Pipa, do Futuro…
O mundo fala de nós pelas nossas costas.
Agora, por mais que
tenha um mar sem fim rebentando noite e dia em suas areias e em sua
carcova, existem brasileiros que vão nascer, crescer e morrer sem
nunca ver o mar que banha o País.
Vão ouvir falar das praias, é certo. Pela tevê, nas novelas e filmes, pelo rádio, por fotografias, pelas histórias que outros lhes contarem, mas sentir o repuxo das marés debaixo do solado dos pés, o gosto salobro da sopa onde boia o mundo, não vão.
Isso porque o
Brasil não é só a costa. Esse País tem um dentro, tem suas
entranhas. E nesse interior do País, que se espalha por milhares de
quilômetros América Latina adentro, tem gente.
As tripas do Brasil
são secas e são úmidas, têm catinga e floresta, chapadas e
cânions onde não chega o Atlântico. As entranhas ficam longe da costa. Por dentro, no fundo, o País
não é só praia.
Eu mesmo, moro no
Cerrado, no planalto central do Brasil. Há quantos anos não vejo o
mar? Perdi a conta. Eu perco a conta das coisas que não acontecem.
E o mar, há muito,
não me acontece. O que me encharca é o ar seco e quase parado, a
vegetação rasteira, o horizonte infinito de uma geografia plana e
de solo vermelho, cobertos por um céu alto. O Cerrado é uma
vastidão árida e sem marolas.
Foi com esse
espírito ressequido pelo inverno sul mato-grossense que, semana
retrasada, ouvi a história de uma menina que não conhecia o mar.
Uma menina que, como eu, morava longe da costa, habitava algum canto
do interior do País.
Confesso-lhes que
meu coração – que há muito não pensava no oceano – apertou um
tanto ao ouvir aquele causo de um mar não visitado. Eu perco a conta
das coisas que não me acontecem, mas me aflige o que não acontece
aos outros.
Fiquei sabendo que
aquela menina de cabelos vermelhos – um vermelho cor de crepúsculo
- colecionava postais de cidades litorâneas, recortes de revistas
com figuras de praias… ela sabia que brotavam coqueiros nas areias
e que os coqueiros davam cocos. E chorava de vontade de conhecer as
águas que banhavam o espinhaço do Brasil.
As fotos, que ela guardava numa caixinha, tinham o
mar e as ondas, mas não tinham as marés e a brisa.
Então, essa menina
me segredou que num passeio escolar à lagoa da cidade comprou um
coco verde, igual aos que vira pendurados nos coqueiros à beira-mar,
nas fotografias e postais.
Só que ela não
comprou o coco como nós compramos nossas coisas, trocando dinheiro
por tralhas. Não. A menina, na verdade, adotou um coco, como quem
recebe uma esperança, um afeto, um desejo.
Aquele coco, no
fundo, já era dela antes de brotar no coqueiro, antes dela sacar seu
dinheirinho da carteira, antes do passeio à lagoa. Aquele coco já
havia brotado e amadurecido nos seus sonhos.
E, de maduro, o
coco caiu na sua vida como uma promessa, como uma semente de um mar
que logo, logo iria brotar.
Só que longe da
praia, o coco mudou de cor, de tamanho e secou… a menina viu, dia a
dia, secar o mar que havia no coco.
E do sonho que era
aquele coco, a menina despertou... Longe da costa brasileira, com o
mar dentro de si cada vez maior.
Não sei se depois
que conversamos a menina foi ver o oceano. Espero reencontrá-la um dia para
saber.
Essa história,
quem me contou foi Ninfa Parreiras. Na verdade, na verdade, ela me leu em voz alta
o seu livro “Com a Maré e o Sonho”. Para mim, ficou sendo uma
história contada, porque toda vez que leio o texto, lembro é da voz
de Ninfa Parreiras desfiando a narrativa.