25 de setembro de 2014

Resposta ao Leitor

   Dois de meus seis ou sete leitores deste blog perguntaram-me por que razão sou tão negativo em relação à burocracia brasileira.
   Não sou negativo. Sou, isso sim, descritivo.
   Mas senti na inquisição de meus colegas um certo amargor no tom com que enfatizaram o adjetivo na expressão "burocracia brasileira".
   Reli minha última postagem e percebi que, como contraponto da rebuscada redação burocrática nacional, elegi algumas sentenças de um juiz americano.
   Percebi, então, que meus colegas não estavam aborrecidos com meus apontamentos sobre os problemas dos textos jurídicos tupiniquins, mas o que realmente os perturbava era o fato de eu ter escolhido como modelo de boa redação um texto da burocracia estadunidense
    Havia ali um certo anti-americanismo velado, um ressentimento que se disfarçava sob uma aparente indignação ante uma possível inclinação minha contra a burocracia.
    Para aplacar o gosto amargo que o texto anterior possa ter deixado na boca de meus amigos, gostaria de narrar-lhes aqui alguns acontecimentos.
    A primeira vez que me dei conta da importância dos fatos para a aplicação do Direito foi durante uma audiência conduzida por uma Juíza, brasileira.
   Na época, eu estava começando a secretariar audiências. Impressionou-me a curiosidade com que a juíza inquiriu cada uma das testemunhas, remexendo em detalhes, atendo-se a minúcias, desejando saber porque a testemunha usara tal ou tal adjetivo para descrever o fato.
    Ao final, após uma longa e cansativa audiência, quando o sol já havia baixado, a decisão. No texto jurídico, ditado em voz alta pela juíza, a razão da aplicação de cada direito foi ancorada nos detalhes extraídos dos fatos. Era possível enxergar, mesmo sem conhecimento jurídico, porque ali incidia este ou aquele direito.
    As pessoas ali presentes, autor, réu, advogados, sabiam o que estava sendo decidido, como estava sendo decidido e porque estava sendo decidido.
    A burocracia judicial se fazia clara.
    Já posso ouvir meus dois amigos engolindo a saliva, estalando as gargantas e sentindo o amargor do espírito desaparecendo.
    Por isso, sigo com mais uma história, para limpar-lhes por completo o paladar.
    Em outro momento de minha curta vida burocrática, tive a oportunidade de trabalhar com outro juiz, também brasileiro.
   Estava no início do curso de Direito e já havia aprendido a mimetizar o rebuscado juridiquês e assim reproduzia, impensadamente, as fórmulas oraculares da justiça.
   Ao levar para o magistrado o esboço de uma decisão, ele a leu com calma e, em seguida, me perguntou: "Onde estão os fatos?".
    Eu acreditava, piamente, que ali estavam narrados os fatos, mas o juiz apontou que ali estavam os fatos jurídicos, a valoração jurídica dos acontecimentos e não os fatos em si.
   "É preciso descrever os fatos, para depois decidir com clareza qual o direito irá incidir sobre eles", ponderou.
    Aprendi ali, mais uma vez, a importância dos fatos para a clareza da aplicação do direito.
   Com isso, meus dois leitores amargurados, suponho ter conseguido demonstrar que vosso ressentimento não tem fundamento.
    A clareza não possui idioma ou nacionalidade.
    Sou a favor da clareza, brasileira ou estadunidense, pois ela é, antes de tudo, um sinal de respeito.