10 de julho de 2014

Trauma

  Existem alguns textos que nos fazem revisitar todos os livros que lemos e repensar as linhas que escrevemos.
   É como se essas obras fossem capazes de colocar mais camadas, mais significados naqueles textos já lidos e já escritos, transformando-os.
   Elas invadem nossa biblioteca e impregnam cada um de seus volumes.
   Vocês entendem?
   É como quando, depois de ter visto mil vezes uma carta de tarôt, alguém vem e lhe conta o significado das cores, ou da direção para onde a figura olha, ou de algum outro elemento presente na lâmina.
   Não é mais a mesma carta. Não conseguimos mais olhar para ela sem ver os novos detalhes.
   É como a experiência de um trauma. Quem já sofreu alguma grave violência acaba sempre espiando uma possível agressão nas mais inusitadas situações... É isso. Alguns textos são traumáticos.
   Como a cara balofa de Julião Tavares que aparece em todos os lugares, no início do romance "Angústia" de Graciliano Ramos.

   Eu, nesses últimos dias, como o personagem de Graciliano, tenho visto um rosto careca nas coisas que leio e escrevo. Mesmo ao ler alguma sentença judicial ou redigir uma minuta no meu cotidiano burocrático, mesmo nesses instantes inóspitos, estampado entre os carimbos, vejo o rosto.
   É uma cara cansada, de um jornalista, chamado Rubião Tavares. Nome composto.
  São, na verdade, duas pessoas... Não! De fato, não me importam as pessoas... são na verdade dois escritores... Que também, no fundo, não me interessam... são na verdade, na verdade, duas obras; sim, que me fazem revisitar, ainda que mentalmente, as coisas que já li ou já escrevi.
   Murilo Rubião e Sérgio Tavares. Conheci as obras do primeiro escritor por intermédio do segundo. No entanto, pessoalmente, desconheço um e outro. Murilo por já estar morto, Sérgio, por ainda estar vivo.
   Ignorando-se os primeiros nomes, pois não me interessam as pessoas, ao menos não para o que quero explicar aqui, sobra Rubião Tavares, que não é um indivíduo, mas uma cara que se imiscui em minha vida. São obras.
   Um trauma. Pressinto-o a cada página, a cada palavra, a cada curva da caneta esferográfica.

   Rubião Tavares... mesmo agora, vejo-o nessas linhas que vocês leem desavisados.

   A angústia dessa presença... contínua e impositiva, não a consigo transmitir em toda a sua plenitude. Caso alguém a queira sentir, sugiro a leitura de Murilo Rubião e de Sérgio Tavares.