Nós,
por vezes e por comodidade, temos o hábito de imaginar o céu como
um lugar etéreo, imaterial, que se abre em seu esplendor aos justos.
Emannuel
Swedenborg, filósofo sueco, vai por outra vereda; propõe um Éden
complexo, com problemas científicos, filosóficos e teológicos a
cada esquina.
O desencarnado que chegasse ao firmamento de Swedenborg estaria bem arranjado com um paraíso incompreensível diante do nariz, eivado de questões espinhosas de toda ordem… Esse céu nórdico não é um céu dado por Deus, assim, de mão beijada, de lambuja. Não, não. É uma realidade que precisa ser primeiro compreendida, para só então poder ser vivida.
O desencarnado que chegasse ao firmamento de Swedenborg estaria bem arranjado com um paraíso incompreensível diante do nariz, eivado de questões espinhosas de toda ordem… Esse céu nórdico não é um céu dado por Deus, assim, de mão beijada, de lambuja. Não, não. É uma realidade que precisa ser primeiro compreendida, para só então poder ser vivida.
Chega
a ser frustrante esse Além cheio de complicações
imaginado pelo filósofo.
O
paraíso de Swedenborg é por demais trabalhoso.
Mas
é justamente esse jeito de pensar que me interessa aqui, nesse texto
eleitoral.
No
idioma sueco há uma palavra sem tradução precisa para o Português:
Trygghet.
Uma
possível versão para nosso léxico tupiniquim seria “segurança”.
Mas
essa tradução deixa um tanto a desejar; isso porque a ideia de segurança
no Brasil, principalmente nos dias de hoje, está associada à
proteção contra uma ameaça.
Estou
seguro se tenho uma arma de fogo para afugentar ou matar um bandido
que viole meu patrimônio, ou minha integridade física. Estou seguro se for reduzida a maioridade penal e o
adolescente criminoso puder ser encarcerado desde logo, afastado de onde habito, de onde transito. Estou seguro se nos lugares que frequento só seja permitida a
entrada de pessoas iguais a mim. Estou seguro se não estiver exposto
a ideias, crenças e comportamentos com os quais não concordo, ou os
quais eu desconheça.
Por
trás dessa ideia de segurança há, latejante, o desassossego, a
inquietação, a frustração, a raiva de não poder dar cabo do
sentimento de medo ouriçado por essas coisas que restringem o meu
agir e estão por aí, à solta, ameaçadoras.
Essa
ideia de segurança, dessa segurança que afasta o desconhecido, está
no segundo turno das eleições presidenciais de 2018, com 46% dos
votos dos brasileiros.
Mas
essa “segurança” não dá conta da expressão sueca Trygghet.
Não. Segurança
não é bem a palavra.
A
“segurança” nórdica não orbita o medo.
A
“segurança” do país de Swedenborg é mais complexa, como o
próprio firmamento imaginado pelo filósofo. A palavra Trygghet
abarca outros sentimentos, como a sensação de pertencimento, a
sensação de confiança de cada ser humano no mundo em que habita, a
sensação de que o indivíduo será acolhido pela sua comunidade e
que o seu vizinho, seja ele quem for, como ame e de onde venha, também terá
tal atenção.
Trygghet,
a “segurança” no idioma sueco, não é construída com armas nas
mãos de civis, não é construída com prisões (físicas ou culturais), não é construída
com a censura de ideias. Trygghet é uma sensação de segurança que inclui e não afasta.
É
um caminho mais longo e trabalhoso, como o paraíso de Swedenborg.
Esse
tipo de segurança passa, por exemplo, pelo reconhecimento de que a
cultura negra, viva e mantida nas comunidades quilombolas se mede
pela importância de sua tradição oral, de seus hábitos e
costumes, de sua história e não pela “arroba”.
Essa
segurança da expressão sueca implica em reconhecer a relevância do
agronegócio na economia do país, mas regular a produção, o uso de
pesticidas, combater a utilização de trabalho escravo, demarcar a
posse da comunidade indígena sobre a terra, fiscalizar o cumprimento
da legislação ambiental, para que outros seres humanos não sejam
prejudicados no processo produtivo.
Esse
outro conceito de segurança, alheio ao nosso Português, exige que
reconheçamos que o projeto de erradicação da fome no país é
medida fundamental para conferir o mínimo de dignidade a outros
brasileiros, e não “assistencialismo”, no sentido pejorativo que
a palavra assumiu nos últimos anos.
A
ideia de um Trygghet só é possível se nós reconhecermos
que a diversidade (de gênero, de cor, de crença) existe e deve ser
respeitada, e que para ser respeitada precisa ser conhecida, e que
para ser conhecida precisa ser ensinada e amparada pelo Estado, pela
Lei.
Essa
segurança mais ampla implica em reconhecer que existem diferentes
configurações familiares, algumas compostas por avós criando
netos, outras por casais homossexuais com filhos e que todas essas
famílias merecem o reconhecimento e a proteção do Estado.
Esse
conceito de segurança sueco não torna o indivíduo refém de seus
medos, não o recolhe em redutos cada vez mais estreitos. E só assim a segurança ganha a forma de liberdade.
Para ser livre, para estar seguro segundo essa palavra estrangeira, Trygghet, eu não tenho que me proteger do outro, mas me tornar responsável pelo bem comum. É mais complexo, é mais trabalhoso, envolve entender o que é diferente, e não afastá-lo.
Para ser livre, para estar seguro segundo essa palavra estrangeira, Trygghet, eu não tenho que me proteger do outro, mas me tornar responsável pelo bem comum. É mais complexo, é mais trabalhoso, envolve entender o que é diferente, e não afastá-lo.
Tal
segurança não se alcança pelo discurso de um messias, mas pelo
gradual, plural e por vezes contraditório discurso democrático. O estranho, para ser compreendido, precisa falar e ser ouvido, não ser silenciado.
Esse caminho é mais longo. Chega a ser frustrante, como o paraíso de
Swedenborg, essa “segurança” cheia de complicações, que não
pode ser resolvida na bala e precisa ser construída por todos.
Não há atalhos para a democracia. Não há atalhos para esse tipo de segurança mais ampla e libertadora. Como não há atalhos na filosofia de Swedenborg.
Não há atalhos para a democracia. Não há atalhos para esse tipo de segurança mais ampla e libertadora. Como não há atalhos na filosofia de Swedenborg.
Nesses
tempos de indignação, não sei se é um caminho que estamos
dispostos a trilhar.
E,
no entanto, apesar de todas as dificuldades que envolvem essa ideia –
Trygghet –, ela também está no segundo turno das eleições
presidenciais de 2018, com Fernando Haddad, Manuela vice, Guilherme
Boulos, Ciro Gomes e, espero, Marina Silva, Henrique Meirelles,
Geraldo Alckmin e as demais forças democráticas desse País.
No
segundo turno, o voto é 13. Confirma.