28 de janeiro de 2012

Adaptação


   "Tudo num processo é escrito". Foi o que me disseram assim que ingressei no serviço público.
   Ao folhear os autos da repartição, constatei que a máxima era verdadeira. Cada alteração era anotada, numerada, datada, carimbada e assinada pelos servidores.
   Essa espécie de lei universal parecia reger o funcionamento do cartório e as ações dos funcionários. Até que um belo dia chegou o interrogatório de um preso lá do Rio Grande do Sul gravado num CD.
   O ano era 2008, mas todos apreciavam aquele objeto estranho com um olhar interrogativo, como se fosse uma novidade. Como aquele objeto viera parar ali? Mais importante, como colocar um CD no processo?
   Até então, os interrogatórios chegavam por escrito; bastava encartá-los nos autos. O que fazer com um CD? A máxima do serviço público vacilava na corda bamba: "Tudo num processo é escrito".
   Um colega sugeriu que alguém abrisse o arquivo e transcrevesse tudo o que estava no vídeo para o papel. Um interrogatório de uma hora: Nem fodendo!
   Conclusão: meteram o CD num envelope, colaram o envelope no verso da útima página, bateram o carimbo informando que o interrogatório estava no envelope, dataram, numeraram e assinaram.
   A máxima estava salva. Solução ad hoc.
   Dias depois, a juíza determinou que uma cópia do interrogatório fosse encaminhada a um outro juízo. O teor do despacho foi o seguinte: "Extraia-se cópia da mídia e encaminhe-a ao juízo de XXXX, conforme solicitado às folhas 25/26".
   A estagiária da repartição, desacostumada com as modernidades no judiciário, sem pestanejar, colocou o CD na máquina de Xerox e extraiu a cópia solicitada.
   A tecnologia está acabando com as certezas do servidor público. A adaptação da espécie é lenta.