27 de março de 2012

Questões Teológicas da Burocracia

   Existe vida após a morte?
   A vida de um processo na Secretaria acaba com a sentença judicial transitada em julgado. É a sua morte. Definiu-se a discussão jurídica, não há mais o que se falar.
   E depois? Para onde vai esse processo? O que há depois disso?
   Esse processo vai para o Arquivo, é onde todos os processos acabam. Todos são iguais perante a morte.
   Eventualmente, a pedido de um advogado (que, convenhamos, é uma classe que tem parte com o obscuro), um processo pode ser desarquivado e voltar a assombrar a repartição.
   Ontem estive num centro espírita. Assisti a uma palestra sobre o mundo espiritual descrito por um desencarnado. Gostei da riqueza de detalhes com que o espírito narrava essa Terra metafísica.
   Com isso, fiquei imaginando como um processo desarquivado descreveria o mundo espiritual dos processos, no caso, o Arquivo, aos seus pares ainda vivos. Provavelmente diria que, depois da morte, teriam um encontro com um senhor de idade, com cabelos brancos (cujo nome é João, o servidor encarregado do Arquivo), diria ainda que depois da morte, os processos vão para um lugar muito mais amplo, com prateleiras espaçosas e que alcançam um teto longínquo, haja vista que o Arquivo fica num grande galpão alugado pelo judiciário.
   Esse mesmo processo, desencarnado, ou desarquivado, como queiram, diria ainda que após a sentença transitada em julgado todos são iguais, independente da cor da capa, do valor da causa, do número de páginas ou da urgência na tramitação... diria que eles não seriam mais julgados e que todos recebem o mesmo tratamento, todos têm uma caixa garantida, que é do mesmo tamanho para todos.
   A narrativa processual continuaria dizendo que os processos, depois de chegarem ao Arquivo, às vezes, destinam-se ao fogo e são incinerados, enquanto outros, recebem a graça eterna e vão para o Arquivo Permanente da Justiça... e que há uma Senhora, uma Nossa Senhora, que cuida por todos eles... a Cléo, a Supervisora da Gestão Documental.
   Não sei se todos os processos ainda em tramitação acreditariam nessa narrativa psicografada de um processo penado. Não sei se teriam fé o suficiente...
   O que me dá arrepios é a possibilidade de cada um de nós sermos apenas um processo, aguardando o trânsito em julgado de nossas sentenças, para sermos despachados ao Arquivo... onde descansaremos em paz, se um advogado metido não nos vier a desarquivar.