4 de abril de 2012

Divagações Para Um Amigo...

   O serviço público, apesar de uma aparente morosidade, por vezes é bastante dinâmico. Ele proporciona, por exemplo, uma grande mobilidade demográfica. Muitas pessoas prestam concursos em outros Estados da Federação e acabam fixando residência em regiões distantes da cidade de origem, ou mesmo são removidas de localidade em prol da administração da coisa pública.
   Há um intenso fluxo migratório em curso no país, orquestrado pela burocracia. 
   Assim, por razões burocráticas, eu hoje estou numa latitude do planeta em que jamais cogitei estar... e há gente de todo canto no canto em que me encontro.
   Logo durante as etapas do processo seletivo do qual participei, estranhamente fiz amizade com um sujeito de Santa Rosa, RS, hoje também servidor. Digo estranhamente porque travei uma amizade que não esperava, numa brevidade que não esperava, com um sujeito que não esperava, de um lugar que não esperava... e mais estranho é que, mesmo depois de três anos por essas terras, entre gente de outros Brasis, não consegui formar nenhum laço de amizade equivalente. Existem, é certo, pessoas que admiro e respeito, mas daí para amizade, falta o mútuo reconhecimento do outro como amigo. O mais próximo que cheguei disso foi Edézio e Matheus, sobre quem já postei uma ou duas palavras nesse blog.
   Fato é que gostava de conversar com Jefferson. Nunca se recusava a trazer para a conversa pensamentos próprios, ainda que controversos ou obscuros e jamais deixava de expô-los com a polidez essencial ao curso do diálogo. O tempo passado dos verbos se deve ao fluxo demográfico da burocracia. Jefferson foi aprovado num concurso em seu Estado de origem e hoje alimenta a burocracia ao sul do Trópico de Capricórnio.
   Outro dia, notei na órbita da rede social de Jefferson, uma certa comoção pela morte de um maratonista. Perguntei-lhe quem era e, como de costume, esse servidor de Santa Rosa, trouxe-me uma história completa e bastante detalhada sobre o sujeito. Mencionou um livro sobre o corredor (o nome do falecido é Micah True, caso alguém se interesse).
   Agora, particularmente, não me interesso nem por maratonas, nem por maratonistas, apesar de ter voltado a correr por prescrição médica. Entretanto, em razão da amizade e pela perspectiva de uma boa troca de idéias, decidi ler o livro... "Born to Run".
   Conta a história de uma tribo oculta mexicana de ultramaratonistas, os Tarahumara. Nativos que correm distâncias absurdas, a velocidades inimagináveis, sem tênis ultratecnológicos e sem sofrer as lesões típicas dos corredores urbanos. O tal corredor morto da rede social de Jefferson havia sido aceito como membro dessa tribo misteriosa. A maior promessa do livro, um bestseller, é desvendar como o fazem.
    Traçando um paralelo com a realidade burocrática, é como se alguém descobrisse uma tribo oculta de pessoas que conseguem ser aprovadas nos concursos públicos mais difíceis, sem ter que sofrer as típicas privações da preparação. Todos iriam querer saber o que fazem nessa tribo. Se virasse um livro, seria, também, um bestseller.
    Em todo o caso, parece-me uma leitura promissora para o feriado de Páscoa.
   Um dos pensamentos interessantes do início do livro, é que os seres humanos têm uma relação emocional com a corrida. Desde tempos ancestrais, ou bem corremos de medo de alguma coisa, ou corremos para comemorar e extravasar uma alegria, ou uma conquista.
   Hoje, imerso no meio burocrático e tendo voltado a correr por indicação médica, pergunto-me se corro por medo ou se corro para celebrar. No primeiro caso, perguntaria-me: corro de quê?; no segundo, perguntaria: corro por quê? Supondo verdadeira a premissa do livro, pego-me constrangido com essas perguntas. Não sei.
    Seguem essas ponderações e divagações para meu amigo de Santa Rosa, para superior avaliação. Estendi-me mais que de costume nesta postagem primeiro por conta do feriado que me dá mais tempo, segundo, porque a amizade tolera essas dilatações lógicas e temporais.