28 de abril de 2012

Parque Burocrático do Xingu

   Anteontem fui assistir ao filme "Xingu".
   As imagens das tribos e das florestas, na grande tela do cinema, são impressionantes. A história da expedição rumo ao centro-oeste do Brasil, liderada pelos irmãos Villas-Bôas, e da criação do Parque Nacional do Xingu é muito bem contada. O enredo é envolvente... Bom, nisso se resume a minha crítica cinematográfica a respeito dessa realização do diretor Cao Hamburger. Burocrata, não sou qualificado para resenhar.
   O que verdadeiramente me levou a sentar e escrever essa postagem foram duas frases do roteiro. Duas sentenças que levei comigo para fora da sala de exibições. Duas orações conflitantes.
   A primeira, logo no início do filme, é atribuída a Leonardo Villas-Bôas, o mais jovem dos irmãos. No filme, a frase é dita "em off". As palavras de Leonardo ilustram a imagem projetada na tela, de homens que estão desbravando o coração do Brasil concedendo-se um mergulho noturno num riacho... para arrefecer o calor do trabalho e dos trópicos.
   "Só se é verdadeiramente livre no Cerrado".
   A segunda frase é dita ao final do filme, supostamente por Cláudio Villas-Bôas, ao seu irmão Orlando.
   Os dois conversam sobre a necessidade de se entrar em contato com a etnia Kremakrore, até então completamente isolada, a fim de trazê-la para o Parque Nacional do Xingu e evitar que sejam dizimados com a passagem de uma rodovia pelo seu território.
   Cláudio resiste à ideia de contactar a tribo e diz ao seu irmão: "Há algo neles que se perde para sempre, assim que a gente encosta".
   A liberdade anunciada no início do filme tem um preço. Há algo que se perde para sempre quando se conquista o lugar onde se é verdadeiramente livre.
   Entre o início e o final do filme, somos convidados a ver o preço que foi pago por essa liberdade. Quais os valores sacados dos cofres de nossa História e de nossa identidade nacional.
   Essas duas frases ditas no meio da floresta também valem para a civilização ocidental.
   A conquista do lugar onde somos verdadeiramente livres, usufruindo de nossos padrões de consumo, com sinal e banda larga para nossos smartphones, com asfalto ligando nossos destinos, automóveis financiáveis para percorrê-las e combustível acessível para  abastecê-los, a conquista desse lugar livre  depende de Leis que garantam essa liberdade. Uma liberdade abstrata se perde, para que nos amarremos firmemente à liberdade concreta de nosso estilo de vida. O preço que se paga para isso é a burocracia.
   "Há algo em nós que se perde para sempre, assim que a burocracia encosta".
   A expedição que devemos empreender para descobrirmos o preço que pagamos por nossa liberdade é uma marcha interna, rumo ao coração de nossa cidadania.