21 de junho de 2013

In Memoriam

   Dois dias atrás - parece uma eternidade - vim a saber, através de um grande amigo, da morte de um professor que tivemos.
   Há tempos não tinha contato nem com um, nem com o outro. E, no entanto, foi um alento receber a notícia do falecimento de um, pelo outro.
    Deu à perda um caráter familiar, fraterno, que há anos não sentia.
   Não cheguei a sentir o pesar da despedida... pelo modo cuidadoso, elaborado pelo acaso, como a coisa chegou a mim, o pesar não teve vez.
    Desaguaram lembranças, quase que me afogam. Debati-me para manter a cabeça acima da linha d'água.
    Lembrei-me das longas conversas que tivemos nas escadas e no pátio da Reitoria da UFPR. Eu, meu grande amigo Guilherme, e o grande professor Joel.
   Nas conversas com Joel os pensamentos tinham peso, tinham massa e tal qual os corpos celestes, submetiam-se às leis da gravitação universal do pensar. As idéias atraíam-se na razão direta de suas massas e na razão inversa do quadrado de suas distâncias, num equilíbrio cósmico.
    Os pensamentos ganhavam substância com Joel, tinham forma, alguns eram gordos, lentos; outros eram leves e velozes; alguns eram sensuais e outros, aversivos, chegando, até mesmo, a ter personalidade. Mas antes de tudo, antes de qualquer desses atributos, eram vivos. 
     Viviam e habitavam as jovens mentes dos alunos do curso de filosofia.
    Com esse grande professor, ousávamos pensar, ousávamos afirmar e negar, ousávamos subverter o que havíamos pensado, ousávamos saber e ousávamos não saber, nos colocávamos em aporias das quais não saíamos incólumes.
    Ousávamos. E Joel, quase como um Cristo na parábola das pegadas na areia, acompanhava-nos naquilo que deveríamos ser: jovens que ousavam pensar... ainda que esses pensamentos, na verdade, fossem o mero repisar de idéias já pensadas.
     Ao pensar na morte de Joel, lembro-me dele vivo, com jaqueta azul, calça jeans, sapatos marrons, barba farta e grisalha, olhos perspicazes atrás dos óculos, esfregando as mãos no frio de Curitiba, acompanhado de um café. Sempre especulativo.
    Ao pensar na morte desse grande professor, acabo pensando em tudo o que, em mim, é tributário da ousadia que aprendi com ele... e me perco nas lembranças que deságuam, e não sobra espaço para o pesar.
E entre tantos pensamentos, fico com uma última aporia deixada por esse sujeito extraordinário: como pode estar morto, se ainda vive?
     A isso resume-se o meu luto. E agradeço ao gentil acaso que me permitiu ter sido aluno de Joel Alves de Souza, o mesmo acaso que trouxe a notícia de sua morte pelo melhor amigo que tive nessa época de ousadia de pensamento.

    Aos que não conheceram o Joel e talvez estejam se perguntando porque compartilho com vocês essa nota de falecimento, digo-lhes: vocês não seriam quem são hoje se o tivessem conhecido. Melhores? Piores? Seriam outros. Isso porque - acho que somente aprendi isso agora - não se passa incólume à uma pessoa comprometida em lhe acompanhar os pensamentos. Não se passa incólume a um grande professor.