13 de novembro de 2014

Manoel de Barros e a burocracia

   No inciso III do poema "Uma didática da invenção", Manoel de Barros ensina o seguinte:

"Repetir repetir - até ficar diferente.
Repetir é um dom do estilo".

   Há seis anos, na burocracia judicial, repito. Repito insistentemente como orienta o poeta. "Repetir repetir...". E ao final de cada repetição, há seis anos, tudo segue igual... até o diferente mantém-se igual.

   Falta-me, nessa vida burocrática, o dom do estilo. E lendo e relendo a didática da invenção, escrita por Manoel, não encontro uma outra forma de repetir para que, repetindo, fique diferente.

   Queria perguntar ao didata como repetir. Como repetir aquilo de modo que, repetindo, não fique igual.

   Só que hoje Manoel morreu.

   Sinto um calafrio na espinha. Sinto o presságio de que talvez, faltando-me o dom do estilo, não consiga repetir e repetir até que a burocracia fique diferente. Sinto o augúrio do mesmo, infinito, a se realizar agora e sempre. Pressinto o cárcere eterno da repetição.

   Sinto o peso assombroso do inciso X do poema didático, do abandono interminável a que nos deixa o poeta:

"Não tem altura o silêncio das pedras".