8 de dezembro de 2014

Deus na Repartição Pública

   Li em algum canto, em algum comentário sobre a obra de Marx - não me recordo nem o autor nem o título do livro -, uma critica veemente ao laicismo como sendo uma forma de religiosidade.
   Nesse livro, até onde consigo me lembrar, o autor define o laicismo como a crença no Capital, em sua eternidade, em sua onisciência, onipresença e onipotência.
   Trata-se de uma ressignificação do termo. Deixa-se de compreender o laicismo como a separação entre religião e Estado, para compreendê-lo como uma nova forma de religiosidade.
   Sob este aspecto, arrisco-me a afirmar que talvez, dentre os Poderes da República, o único que verdadeiramente se converteu a essa nova religião tenha sido o Pode Judiciário.
   Se olharmos para o período eleitoral recente, veremos que as religiões tradicionais, cada uma com seu Deus, sua doutrina, etc, ainda encharcam os Poderes Executivo e Legislativo da Federação.
   Qualquer candidato a um cargo executivo precisa do apoio de grupos religiosos para eleger-se; no legislativo temos bancadas cujos programas têm como base diretrizes religiosas.
   Mas o mesmo não ocorre no Poder Judiciário, ao menos não de maneira tão acintosa.
   A burocracia Judiciária não precisa de um Deus, nem para se perpetuar no tempo e no espaço, nem como uma causa primeira para fundamentar sua existência. O Poder Judiciário não é refém da religiosidade tradicional.
   O Judiciário precisa acreditar apenas em uma coisa: que os homens sempre circularão bens jurídicos (direitos) e que nessa circulação sempre haverá dissensos e disputas.
   A partir dessa promessa, da promessa de uma circulação infinita e conflituosa de bens e capitais, o Poder Judiciário tem garantida sua vida eterna.
   O Poder Judiciário é o único realmente fiel à essa religião laica, pois foi o único poder da República a efetivamente prescindir de todos os outros deuses e dedicar-se apenas ao Capital, que é o seu fim e sua causa.
   Quanto a mim, burocrata num cartório judicial, sinto que exerço um sacerdócio no baixo clero da Justiça. E digo-lhes, ao ajudar a movimentar a máquina burocrática do Poder Judiciário, sinto, verdadeiramente, a eternidade da circulação do capital.
    Sinto-a concretamente, cada vez que junto um pedido das partes ao processo, cada vez que informo aos envolvido sobre uma decisão judicial, cada vez que um processo é remetido a uma instância superior, sinto a eternidade do capital como jamais senti qualquer outro deus.
    Não sei se o Estado Brasileiro é verdadeiramente laico, mas posso afirmar que o Poder Judiciário o é.
    Eu, como já devem saber, sou um burocrata convicto.