7 de dezembro de 2015

Impeachment

A cúpula de cada um dos Poderes da República tem a prerrogativa de definir a pauta política do País.
É uma atribuição que decorre do modo como o Poder foi dividido em nossa República. Coube à Constituição Federal essa divisão.
O Exercício mesmo desses poderes constitucionais tem como consequência a definição da pauta política brasileira.
O Supremo Tribunal Federal, quando decide julgar a liberação das pesquisas com células tronco, ou quando decide julgar a demarcação das terras indígenas, não está apenas "dizendo o direito", mas estabelecendo a discussão política nacional quanto ao desenvolvimento da ciência e ao tratamento da cultura indígena.
O mesmo poder de estabelecer a pauta política tem o Congresso Nacional, sendo atribuído a cada uma de suas Casas decidir sobre quais questões o país irá se debruçar. Casamento gay? Porte de arma? Austeridade fiscal?
O Poder Executivo também possui esse faculdade. Com programas sociais, programas de privatização, programas de educação, se estabelecem pautas. Fome Zero, Pátria Educadora, etc.
Essas instituições encontram-se em esferas tão altas da estrutura de poder que os controles que incidem sobre suas escolhas e decisões são mais rarefeitos.
Em razão disso, esses órgãos detêm certa liberdade nas escolhas da pauta política da nação.
Essa maior liberdade de escolha só se justifica, em última instância, pela legitimação dos ocupantes desses cargos por meio da manifestação da vontade da população (representantes do Executivo e do Legislativo eleitos por voto direto) ou por processos indiretos (Ministros do Supremo sujeitos à sabatina do Senado Federal).
Ultimamente, vê-se que o Supremo Tribunal Federal estabeleceu como pauta a corrupção dos partidos que formam a base do governo federal. Mensalão, desdobramentos da Lava-Jato, etc. O Supremo é livre para estabelecer essa pauta.
O Legislativo também, nos últimos dias, em especial a Presidência da Câmara Federal, tem estabelecido como pauta a corrupção e a má gestão no governo central. O Legislativo é livre na escolha de suas pautas.
O exercício da liberdade institucional dessas duas instâncias de Poder, sujeitas a controles extremamente rarefeitos (STF e Presidência da Câmara, especificamente) estabeleceram pautas que resultaram num modo indireto de impedir que o Executivo também determine as discussões políticas do País.
O Executivo não consegue minimamente estabelecer sua pauta em decorrência do engessamento que lhe causaram as escolhas feitas pelas cúpulas do Legislativo e do Judiciário.
O estrangulamento do governo pelas pautas dos demais poderes chegou a tal ponto que a pauta nacional, agora, é a própria supressão do mandato da Presidente eleita.
Não há ilegalidade na construção da atual situação em que se encontra o Poder Executivo.
Houve o Mensalão, houve a compra de Pasadena, houve as delações premiadas e as propinas; essas sim, ilegais.
Não há ilegalidade nas decisões que levaram à situação em que se encontra o governo, mas não se pode ignorar que ela é resultado da pauta política estabelecida por dois Poderes da República que se sujeitam a poucos controles em suas escolhas.
O Impeachment, ainda que se revista de legalidade, em verdade, é a exteriorização dessa sistemática escolha de pautas pelo STF e pelo Legislativo, cuja consequência é a incapacitação do Poder Executivo, eleito democraticamente, em estabelecer suas pautas.
O Impeachment da Presidente Dilma, ao contrário do que se expõe na mídia, não é só um processo, não é uma figura abstrata, um instrumento meramente formal. O impeachment foi construído politicamente nessas instituições onde os controles são rarefeitos.
Para mim, essa construção baseou-se na utilização de liberdades democráticas garantidoras do exercício de Poderes independentes da República, para o enfraquecimento de um desses poderes, o Poder Executivo.
A utilização de cada uma dessas liberdades, pelo STF e pelo Congresso, se consideradas em si mesmas, foram legitimas, tendo observado as previsões legais, o devido processo legal, o direito de defesa dos réus, etc. De tal modo que defender o governo por elas enfraquecido, tornou-se equivalente a ofender o Estado de Direito.
          O problema, entretanto, não está na legalidade, mas no estabelecimento das pautas sobre as quais deve incidir essa legalidade. A escolha das pautas precisa ser apreciada com mais atenção.
              Pautar um assunto significa deixar outro de lado. Significa definir de quem é a vez de prestar contas. Pauta-se a pesquisa em células troncos: a ciência deve prestar contas aos valores morais da sociedade. Pauta-se a demarcação de terras indígenas: a cultura ocidental deve prestar contas à cultura indígena. Pauta-se a limitação de desmatamentos: os produtores rurais devem prestar contas ao meio ambiente.
             Quem não está em pauta não presta contas.
              Pautar é um ato político, em que se atribui um ônus a quem deve prestar contas.
              Se o Executivo está sempre sendo posto em discussão por outro Poder, significa que ele está tendo sua pauta determinada por esse outro Poder. O ato de pauta-lo, então, significa uma forma de reprimir a atribuição constitucionalmente dada ao Executivo de estabelecer suas próprias pautas.
         As escolhas do que está ou não em discussão no País, não estão sujeitas a controle de legalidade, nem estão sujeitas a controles administrativos. Felizmente, as instituições de cúpula da República, são livres e independentes. Não se pode responsabilizar o Supremo Tribunal Federal por ter decidido enfrentar uma questão ao invés de outra. Não se pode responsabilizar o Congresso por ter votado uma lei ao invés de outra. Não se pode responsabilizar o Executivo por ter priorizado um projeto ao invés de outro.
               Assim, essas escolhas de pauta política do País, feitas pelos Poderes da República e sujeitas a escassos controles, devem ser apreciadas por aqueles que legitimam a liberdade conferida às instituições. Os cidadãos.
           Os cidadãos devem julgar se a escolha da pauta política pelo STF e pela Presidência da Câmara tem ou não como finalidade, além da luta contra a corrupção, além da luta pela moralidade, o caráter político de enfraquecer e suprimir o Poder Executivo, democraticamente eleito.
               Eu, como cidadão, defendo a atribuição constitucionalmente conferida ao Supremo Tribunal Federal de estabelecer suas pautas. Essa prerrogativa não deve ser violada.
          Defendo a atribuição constitucionalmente conferida a cada uma das Casas do Congresso Nacional de estabelecer suas pautas. Essa prerrogativa não deve ser violada.
            Mas defendo também a atribuição constitucionalmente conferida ao Executivo de estabelecer as pautas da nação. Essa prerrogativa não deve ser violada.

           O modo como o Impeachment está sendo colocado, em minha opinião, é uma forma transversa de burlar a independência dos Poderes, por meio da escolha de pautas; escolhas essas não sujeitas a controles institucionais.
            Tenho sérias ressalvas quanto ao governo, mas não apoio o impeachment, pois se configura com as feições de um golpe institucional.