4 de março de 2016

A Notícia do Dia

      Perguntaram-se de que lado estou quanto à condução coercitiva do ex-Presidente Luis Inácio Lula da Silva à delegacia da Polícia Federal. Deixem-me contar-lhes uma breve história:

       João, vamos chamá-lo assim.

       João foi ao escritório de Vinícius – vamos supor esse nome também – onde o matou e roubou um  talão de cheques. Depois, fugiu.

      Encontraram o corpo, mas ninguém sabia quem havia matado Vinícius e roubado as folhas de cheques.

      A esposa de Vinícius tinha uma suspeita… suspeitava, corretamente, de João. Sexto sentido das mulheres.

      A fiel esposa resolveu, então, após alguns dias, entrar em contato com João e falar que o banco havia ligado informando que um cheque fora devolvido e que, para não causar prejuízos a João, ela o reembolsaria.

      O raciocínio da mulher era o seguinte: se João aceitasse o dinheiro e tivesse o cheque, significaria que ele era quem havia tentado descontar o cheque roubado e, portanto, poderia conhecer, ou mesmo ser, o assassino de seu amado.

      Para presenciar a confissão, a esposa chamou a polícia e armaram a cena.

    Acontece que, no confronto com João, a conversa tomou rumos inesperados e as versões da esposa e de João começaram a divergir. No meio daquilo tudo, as folhas do talão de cheques roubado apareceram. Deu barraco!

      Os policiais, diante do imbróglio, levaram ambos para a delegacia para a colheita de depoimentos.

     Pode parecer piada, mas João alegou que ele não poderia ser conduzido coercitivamente para a delegacia. Entrou com o Habeas Corpus nº 107644 que foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal.

      A maior Corte desse País decidiu o seguinte:

    “Nessas circunstâncias (as circunstâncias descritas acima), tenho que é plenamente possível a condução dos envolvidos à presença da autoridade policial para prestarem maiores informações, sem que haja necessidade de mandado judicial ou que estejam em situação de flagrante delito” (Voto do Ministro Ricardo Lewandowski, acompanhado pelo Ministro Luiz Fux e pelo Ministro Dias Toffoli).

     Nessas condições específicas, do barraco armado entre a esposa de Vinícius e João, o Supremo Tribunal Federal julgou o Habeas Corpus nº 107644, afirmando ser possível a condução de pessoas para prestar esclarecimentos naquela situação.

      A Ementa da Decisão ficou assim… desculpem reproduzir um texto tão chato aqui. Pulem se quiser.

EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CONDUÇÃO DO INVESTIGADO À AUTORIDADE POLICIAL PARA ESCLARECIMENTOS. POSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 144, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO ART. 6º DO CPP. DESNECESSIDADE DE MANDADO DE PRISÃO OU DE ESTADO DE FLAGRÂNCIA. DESNECESSIDADE DE INVOCAÇÃO DA TEORIA OU DOUTRINA DOS PODERES IMPLÍCITOS. PRISÃO CAUTELAR DECRETADA POR DECISÃO JUDICIAL, APÓS A CONFISSÃO INFORMAL E O INTERROGATÓRIO DO INDICIADO. LEGITIMIDADE. OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE JURISDIÇÃO. USO DE ALGEMAS DEVIDAMENTE JUSTIFICADO. CONDENAÇÃO BASEADA EM PROVAS IDÔNEAS E SUFICIENTES. NULIDADE PROCESSUAIS NÃO VERIFICADAS. LEGITIMIDADE DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. ORDEM DENEGADA. I – A própria Constituição Federal assegura, em seu art. 144, § 4º, às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais. II – O art. 6º do Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece as providências que devem ser tomadas pela autoridade policial quando tiver conhecimento da ocorrência de um delito, todas dispostas nos incisos II a VI. III – Legitimidade dos agentes policiais, sob o comando da autoridade policial competente (art. 4º do CPP), para tomar todas as providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a condução de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e constitucionais dos conduzidos. IV – Desnecessidade de invocação da chamada teoria ou doutrina dos poderes implícitos, construída pela Suprema Corte norte-americana e e incorporada ao nosso ordenamento jurídico, uma vez que há previsão expressa, na Constituição e no Código de Processo Penal, que dá poderes à polícia civil para investigar a prática de eventuais infrações penais, bem como para exercer as funções de polícia judiciária. (...)

       Nas suas ementas, todo mundo sabe, o Supremo Tribunal Federal expõe apenas a aplicação do direito, sem se reportar ao caso concreto analisado. Isso não significa que os fatos não existiram, nem que possam ser ignorados ao interpretar a ementa.

      Pois bem, sem esquecer do barraco causado na frente dos policiais pela viúva e pelo assassino, vejo que a decisão que decretou a condução coercitiva do ex-Presidente Luis Inácio Lula da Silva, utilizou como fundamento jurídico a referida decisão do Supremo Tribunal Federal. Assim como eu fiz acima, copiaram e colaram a ementa do Habeas Corpus nº 107644.

      Lindo.

      Agora, a decisão do Juiz Federal só não explica qual a identidade fática entre o caso do latrocínio que desaguou num barraco entre a esposa do falecido e o assassino na frente dos policiais - e que legitimou a condução dos barraqueiros à delegacia – e a situação fática do ex-presidente.

     No caso do barraco descrito acima, os Ministros, ao proferirem seus votos, fizeram inúmeras ressalvas quanto à particularidade do caso.

     O Ministro Ricardo Lewandowski, por exemplo, alertou o seguinte: “Importante observar, nesse contexto, que a custódia do paciente ocorreu somente depois de ele confessar, informalmente, a prática da infração penal”.

   O Ministro Dias Toffoli, também ressalvou que a condução coercitiva, no caso específico, justificava-se “em vista da posse pelo paciente (João) de objetos (no caso, folhas de cheque) que estavam em poder da vítima antes de sua morte e que foram objeto de subtração”.

      O Ministro Marco Aurélio, que acabou vencido, disse que nem diante do barraco poderiam ter sido levados à delegacia: “Ninguém será preso senão em flagrante delito – não se trata de flagrante delito – ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária”.

      Perdoem-me meus amigos que vibraram com a decisão do Juiz Moro, mas, se não me engano, a situação do Lula e do barraco entre a viúva e o assassino não é a mesma. Os fatos, ao que parece, também não têm qualquer correspondência entre si. E se os fatos são assim tão diferentes, como pode uma decisão aplicar o mesmo direito a ambos sem prestar qualquer satisfação? Sem sequer se dar ao trabalho - e o trabalho do Juiz é esse - de construir uma fundamentação que estabeleça a mínima correlação entre os dois casos?

    E se a decisão judicial se fundamentou numa interpretação da Suprema Corte absolutamente inaplicável ao caso do Lula ela carece de fundamento jurídico.

      E carecendo de fundamento jurídico, o que a fundamenta?

     Nada. Ela se torna uma peça arbitrária, antidemocrática, pois descolada da lei formulada pelos legisladores eleitos pelo povo "Ninguém será preso senão em flagrante delito" e por distorcer as decisões do Supremo Tribunal Federal, ao fazê-las incidir sobre quadros fáticos que não permitem sua aplicação.

      Quando muito, podemos dizer tratar-se de uma peça política. 

     Acho que isso me tira de cima do muro e do lado do Moro, quanto à condução coercitiva do ex-Presidente.