Perguntaram-se de que lado estou quanto à condução coercitiva do ex-Presidente Luis Inácio Lula da Silva à delegacia da Polícia Federal. Deixem-me contar-lhes uma breve história:
João, vamos
chamá-lo assim.
João foi ao
escritório de Vinícius – vamos supor esse nome também – onde o
matou e roubou um talão de cheques. Depois, fugiu.
Encontraram o corpo,
mas ninguém sabia quem havia matado Vinícius e roubado as folhas de
cheques.
A esposa de Vinícius
tinha uma suspeita… suspeitava, corretamente, de João. Sexto
sentido das mulheres.
A fiel esposa
resolveu, então, após alguns dias, entrar em contato com João e
falar que o banco havia ligado informando que um cheque fora devolvido e
que, para não causar prejuízos a João, ela o reembolsaria.
O raciocínio da
mulher era o seguinte: se João aceitasse o dinheiro e tivesse o
cheque, significaria que ele era quem havia tentado descontar o
cheque roubado e, portanto, poderia conhecer, ou mesmo ser, o
assassino de seu amado.
Para presenciar a
confissão, a esposa chamou a polícia e armaram a cena.
Acontece que, no
confronto com João, a conversa tomou rumos inesperados e as versões
da esposa e de João começaram a divergir. No meio daquilo tudo, as folhas do talão de cheques roubado apareceram. Deu barraco!
Os policiais, diante
do imbróglio, levaram ambos para a delegacia para a colheita de
depoimentos.
Pode parecer piada,
mas João alegou que ele não poderia ser conduzido coercitivamente
para a delegacia. Entrou com o Habeas Corpus nº 107644 que foi
julgado pelo Supremo Tribunal Federal.
A maior Corte desse
País decidiu o seguinte:
“Nessas
circunstâncias (as circunstâncias descritas acima), tenho que é
plenamente possível a condução dos envolvidos à presença da
autoridade policial para prestarem maiores informações, sem que
haja necessidade de mandado judicial ou que estejam em situação de
flagrante delito” (Voto do Ministro Ricardo Lewandowski,
acompanhado pelo Ministro Luiz Fux e pelo Ministro Dias Toffoli).
Nessas condições
específicas, do barraco armado entre a esposa de Vinícius e João,
o Supremo Tribunal Federal julgou o Habeas Corpus nº 107644,
afirmando ser possível a condução de pessoas para prestar
esclarecimentos naquela situação.
A Ementa da Decisão
ficou assim… desculpem reproduzir um texto tão chato aqui. Pulem se quiser.
EMENTA: HABEAS
CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. CONDUÇÃO DO INVESTIGADO
À AUTORIDADE POLICIAL PARA ESCLARECIMENTOS. POSSIBILIDADE.
INTELIGÊNCIA DO ART. 144, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DO
ART. 6º DO CPP. DESNECESSIDADE DE MANDADO DE PRISÃO OU DE ESTADO DE
FLAGRÂNCIA. DESNECESSIDADE DE INVOCAÇÃO DA TEORIA OU DOUTRINA DOS
PODERES IMPLÍCITOS. PRISÃO CAUTELAR DECRETADA POR DECISÃO
JUDICIAL, APÓS A CONFISSÃO INFORMAL E O INTERROGATÓRIO DO
INDICIADO. LEGITIMIDADE. OBSERVÂNCIA DA CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DA
RESERVA DE JURISDIÇÃO. USO DE ALGEMAS DEVIDAMENTE JUSTIFICADO.
CONDENAÇÃO BASEADA EM PROVAS IDÔNEAS E SUFICIENTES. NULIDADE
PROCESSUAIS NÃO VERIFICADAS. LEGITIMIDADE DOS FUNDAMENTOS DA PRISÃO
PREVENTIVA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO
CRIMINAL. ORDEM DENEGADA. I – A própria Constituição Federal
assegura, em seu art. 144, § 4º, às polícias civis, dirigidas por
delegados de polícia de carreira, as funções de polícia
judiciária e a apuração de infrações penais. II – O art. 6º
do Código de Processo Penal, por sua vez, estabelece as providências
que devem ser tomadas pela autoridade policial quando tiver
conhecimento da ocorrência de um delito, todas dispostas nos incisos
II a VI. III – Legitimidade dos agentes policiais, sob o comando da
autoridade policial competente (art. 4º do CPP), para tomar todas as
providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se
aí a condução de pessoas para prestar esclarecimentos,
resguardadas as garantias legais e constitucionais dos conduzidos. IV
– Desnecessidade de invocação da chamada teoria ou doutrina dos
poderes implícitos, construída pela Suprema Corte norte-americana e
e incorporada ao nosso ordenamento jurídico, uma vez que há
previsão expressa, na Constituição e no Código de Processo Penal,
que dá poderes à polícia civil para investigar a prática de
eventuais infrações penais, bem como para exercer as funções de
polícia judiciária. (...)
Nas suas ementas,
todo mundo sabe, o Supremo Tribunal Federal expõe apenas a aplicação
do direito, sem se reportar ao caso concreto analisado. Isso não
significa que os fatos não existiram, nem que possam ser ignorados
ao interpretar a ementa.
Pois bem, sem
esquecer do barraco causado na frente dos policiais pela viúva e
pelo assassino, vejo que a decisão que decretou a condução
coercitiva do ex-Presidente Luis Inácio Lula da Silva, utilizou como
fundamento jurídico a referida decisão do Supremo Tribunal Federal.
Assim como eu fiz acima, copiaram e colaram a ementa do Habeas
Corpus nº 107644.
Lindo.
Agora, a decisão do
Juiz Federal só não explica qual a identidade fática entre o caso
do latrocínio que desaguou num barraco entre a esposa do falecido e
o assassino na frente dos policiais - e que legitimou a condução dos barraqueiros à
delegacia – e a situação fática do ex-presidente.
No caso do barraco
descrito acima, os Ministros, ao proferirem seus votos, fizeram
inúmeras ressalvas quanto à particularidade do caso.
O Ministro Ricardo
Lewandowski, por exemplo, alertou o seguinte: “Importante observar,
nesse contexto, que a custódia do paciente ocorreu somente depois de
ele confessar, informalmente, a prática da infração penal”.
O Ministro Dias
Toffoli, também ressalvou que a condução coercitiva, no caso
específico, justificava-se “em vista da posse pelo paciente (João)
de objetos (no caso, folhas de cheque) que estavam em poder da vítima
antes de sua morte e que foram objeto de subtração”.
O Ministro Marco
Aurélio, que acabou vencido, disse que nem diante do barraco
poderiam ter sido levados à delegacia: “Ninguém será preso senão
em flagrante delito – não se trata de flagrante delito – ou por
ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária”.
Perdoem-me meus
amigos que vibraram com a decisão do Juiz Moro, mas, se não me
engano, a situação do Lula e do barraco entre a viúva e o
assassino não é a mesma. Os fatos, ao que parece, também não têm
qualquer correspondência entre si. E se os fatos são assim tão
diferentes, como pode uma decisão aplicar o mesmo direito a ambos
sem prestar qualquer satisfação? Sem sequer se dar ao trabalho - e o trabalho do Juiz é esse - de construir uma fundamentação que estabeleça a mínima correlação entre os dois casos?
E se a decisão
judicial se fundamentou numa interpretação da Suprema Corte
absolutamente inaplicável ao caso do Lula ela carece de fundamento jurídico.
E carecendo de
fundamento jurídico, o que a fundamenta?
Nada. Ela se torna uma peça arbitrária, antidemocrática, pois descolada da lei formulada pelos legisladores eleitos pelo povo "Ninguém será preso senão em flagrante delito" e por distorcer as decisões do Supremo Tribunal Federal, ao fazê-las incidir sobre quadros fáticos que não permitem sua aplicação.
Quando muito, podemos dizer tratar-se de uma peça política.
Acho que isso me tira de cima do muro e do lado do Moro, quanto à condução coercitiva do ex-Presidente.
Eis o link para a
decisão do Juiz Federal Sérgio Moro:
http://jota.uol.com.br/leia-o-despacho-de-sergio-moro-determinando-a-conducao-coercitiva-de-lula
Eis o link para a
decisão do Supremo Tribunal Federal:
http://jurisprudencia.s3.amazonaws.com/STF/IT/HC_107644_SP_1319320443377.pdf?Signature=PEjZ81RfIqzsKkk3N5SedN8rAGM%3D&Expires=1457134548&AWSAccessKeyId=AKIAIPM2XEMZACAXCMBA&response-content-type=application/pdf&x-amz-meta-md5-hash=c7df0a323dc46a8e673b3c56cb96b4d6