Ontem, estava lendo
o livro “A Confissão da Leoa”, de Mia Couto, escritor
moçambicano.
Num dos capítulos
desse romance, uma personagem, chamada Mariamar, é quem fala.
Agora, por mais que
eu apurasse o ouvido e por mais que Mariamar falasse e falasse
naquelas linhas de Mia Couto, eu não conseguia ouvir uma voz
feminina.
A todo momento
pegava-me confuso: é mesmo uma mulher que está a falar?
Eu que ouvia mal? Ou
será que, no fundo, pela boca de Mariamar era um homem moçambicano
quem falava?
Seja nos meus ouvidos,
ou na pena de Mia Couto, a voz feminina de Mariamar desaparecia. Reli
o capítulo todo, tentando encontrar Mariamar, tentando ouvi-la, em
vão. Era como se a tivéssemos sufocado. Eu e o escritor
moçambicano.
Entristeci-me e,
triste, adormeci. Queria ouvir Mariamar.
Então hoje, no dia
internacional da mulher, por certo não me meterei a discorrer sobre
mulheres, ou para mulheres, pois pode suceder o mesmo que sucedeu com
Mariamar. Pode ser que eu não encontre a voz que deve falar.
Por isso, fui buscar uma
voz que sei feminina, um discurso de uma mulher para outras mulheres.
Uma fala de Virgínia Woolf, em 1931, na National Society for Women's
Service.
Com essa voz é que eu gostaria de celebrar o Dia Internacional da Mulher no blog.
Transcrevo abaixo parte
do ensaio denominado “Professions for Women” (Profissões para
Mulheres).
“Ah! Mas o que significa,
para uma mulher, ser “ela mesma”? Quer dizer, o que é uma
mulher? Eu lhes asseguro, eu não sei. E eu não acredito que vocês mesmas saibam. Sequer acredito que qualquer um possa alegar saber até que
ela, a mulher, tenha se expressado em todas as artes e profissões
abertas às habilidades humanas. Essa, de fato, é uma das razões
pelas quais eu vim aqui. Pelo respeito que tenho por vocês,
mulheres, que estão nesse processo de nos mostrar, por meio de suas
experiências e experimentações, o que uma mulher é. Pelo respeito a vocês, mulheres,
que estão nesse processo de nos fornecer, por meio de seus sucessos
e insucessos, essa informação tão preciosa.
(...)
Vocês, mulheres,
conquistaram espaços, recintos e cômodos só seus. Aposentos que
até então eram possuídos e ocupados exclusivamente por homens.
Vocês são capazes, embora não sem seu imenso labor e esforço, de
dispor desses espaços. Vocês hoje ganham suas quinhentas libras por
ano. Mas essa liberdade é apenas o começo – os cômodos e quartos
são só seus, mas eles ainda estão vazios. Esses espaços devem ser
mobiliados, devem ser decorados, devem ser compartilhados. Como você
irá mobilhá-lo, como irá decorá-lo? Com quem irá dividi-lo e sob
quais condições irá compartilhá-lo? Essas, eu acredito, são
questões de maior relevo e interesse. Pois, pela primeira vez na
história vocês são capazes de perguntá-las; pela primeira vez
vocês são capazes de decidir, por si mesmas, quais devem ser as
respostas. De bom grado eu ficaria para discutir essas perguntas e as
possíveis respostas, mas não esta noite. Meu tempo acabou e eu devo
encerrar”.
Virginia Woolf,
1931.