Há poucas semanas, sugeriram-me escrever um texto mais longo, sobre o tempo.
Andei - e ainda ando - às voltas com essa tarefa e, por isso, deixei esse blog meio abandonado.
Acontece que, ao tentar redigir algo sobre o tempo num formato diferente do qual estou acostumado a escrever por aqui, surgiram várias ideias que foram sendo descartadas - justamente por serem curtas demais.
Uma delas, que fiquei com pena de abandonar completamente, é essa:
Imaginem um relógio de bolso, desses que é necessário dar corda para que funcione.
Como ocorre em todos os relógios, o tempo, tal qual uma corrente de ar, sopra através daquela bolha de vidro, fazendo girar os ponteiros, que - como as pás de um moinho - nos permitem ver que o tempo está passando por ali.
Ocorre que, ocasionalmente, o tempo pára e é preciso que se dê corda à engenhoca para que possamos ter a percepção visual de que a vida continua passando.
Um relógio parado é, por certo, mau agouro; é quando paramos de ver a vida fluir. É quando a morte espia.
Assim, no instante em que paramos para dar corda no relógio, é quando o tempo pára seu passo. É quando deixamos de nos ater à vida que passa, para fazer girar as engrenagens do tempo.
Há muitos anos, conheci um senhor que tinha um desses relógios de bolso. Comprara um dos melhores exemplares, suíço, "preciso e confiável". Entretanto, apesar das qualidades do mecanismo que lhe garantiam a exatidão e a constância na marcação do fluxo temporal, o velho temia que o relógio parasse. E de hora em hora, para garantir a natureza ininterrupta do tempo, dava corda no relógio que trazia no bolso interno do paletó.
Durante os anos que o conheci, os intervalos entre uma corda e outra foram diminuindo, ao ponto de ele manter a engenhoca sempre à mão, dando-lhe corda a cada cinco segundos, mais ou menos.
O tempo desse senhor passou a ser gasto com o tempo suspenso dos instantes em que se dá corda no relógio. "Cuida tanto do tempo, que perde tudo o mais que nele ocorre. Perde a vida" - disse-me, certa vez, uma de suas filhas.
Às vezes, sinto que sou aquele senhor. Enfurnado num cartório judicial, dando corda, num ritual neurótico, à uma engrenagem que marca a passagem do tempo, mas é alheia a tudo o que ocorre nele, que é alheia à vida.