3 de setembro de 2014

Para Júlio Cortázar

   Minha última postagem foi uma ideia que havia deixado de lado quando uma amiga, Catherine, propôs que eu escrevesse um texto mais longo sobre a burocracia.
   Era uma ideia que eu supus ser muito curta e que não renderia o suficiente para uma crônica. Por isso, abandonei-a.
   Hoje, pensando no assunto, fiquei encucado. A desculpa que me dei foi por demais esfarrapada! Uma ideia curta demais? Como uma calça ou uma cortina? Sinceramente!
   Por que eu "escondera" aquela história de Catherine?
  A postagem de título "Tic, tac, tic, tac, tic...", que vocês podem ler logo abaixo, revela uma espécie de neurose, a minha neurose burocrática, minhas atividades obstinadamente repetitivas no ambiente cartorário.
  Talvez fosse isso que eu quisesse ocultar de Catherine. E, de fato, acabei lhe entregando um texto mais descritivo sobre a burocracia.
   Escondi de Catherine meu comportamento neurótico.
  Agora, por quê? Por que esse comportamento deveria ser ocultado? Sequer conheço Catherine pessoalmente. É uma escritora e tradutora que mora em outro hemisfério do planeta, com quem troco e-mails.
  Uma outra amiga escritora, Cristina, ao ler minha última postagem, comentou: "Lembrou-me Cortázar, do livro História de Cronopios y Famas".
   Espantei-me com a comparação, pois minha esposa tem esse livro e eu já o havia lido há muitos anos. Não me recordava de quase nada. 
   Ocorre que nessa obra há um texto sobre relógio de cordas, "Preâmbulo às instruções para dar corda no relógio", em que Cortázar constrói uma analogia entre a neurose e a atividade de dar corda naquele objeto.
   Justamente a ideia que tentei construir no texto "Tic, tac, tic, tac, tic...".
   Assim, eu não apenas queria esconder minha neurose de Catherine, mas vejo que também queria esconder a origem dessa neurose. Queria esconder Cortázar.
   Há nisso, talvez, a manifestação de um Complexo de Édipo, o desejo de matar o "pai" da ideia, de matar Julio Cortazar e tomar seu lugar, escrevendo uma postagem com o mesmo fundo do texto do argentino: "Tic, tac, tic, tac, tic...".
  Agora, não se pode matar o pai. Trata-se de um imperativo moral. Por mais que eu, naquela postagem de 22 de agosto de 2014, tentasse matar Cortázar, uma forte proibição incidia sobre meus esforços: aquela semana de agosto precedia o centenário do nascimento de Julio Cortázar (26 de agosto de 1914).    O escritor estava mais vivo que nunca: nos jornais, blogs literários, televisão, etc.
   Não escrevi aquela postagem, naquela data, por mera coincidência.
  Sob esse forte impedimento social, esqueci-me do aniversário de Cortázar, esqueci-me do livro de Cortázar e escrevi sobre minha neurose que, somente agora, vejo porque a escondi de Catherine.