29 de março de 2012

Nirvana

   O trabalho burocrático, de repetitivo que é, leva os servidores a uma espécie de transe. É como um mantra que faz com que nos esqueçamos de nós mesmos enquanto sujeitos para nos sentirmos parte da burocracia. Deixamos o "Eu", para sermos processo. É uma experiência transcendental.
   Logo que entrei na repartição, percebi que a repetição do trabalho tomava conta de meus pensamentos de tal forma que esquecia de beber água durante todo o expediente. Não sentia sede, portanto, não precisava ir ao banheiro e, por conseguinte, não saía da Secretaria. Minha natureza orgânica ficava suspensa pela imersão burocrática.
   Mas isso, meus caros, descreve apenas o nível mais elementar da meditação cartorária. Os grandes mestres de Secretaria são capazes de proezas ainda maiores.
   Num dos últimos dias do verão houve, no prédio da Justiça, uma infestação de mosquitos. Foi necessário, em caráter de urgência, pedir que o setor de serviços gerais providenciasse uma força tarefa com aerosóis inseticidas.
   Depois da operação, passei pelo gabinete da Rosanne e da Adriane, assessoras do Juiz. Ambas estavam concentradas nas redações das decisões e sentenças. Parei para procurar um processo e logo senti que os serviços gerais haviam exagerado na dedetização. As servidoras pareciam não se incomodar com o cheiro forte e enauseante do veneno.
   Suponho que, em seus transes burocráticos, elas tenham atingido um nível de suspensão tal que as permitiu deixar de respirar. Imergiram no Tao do serviço público.
   O Nirvana, acredito, está logo ali, entre uma numeração de página e um carimbo.