12 de abril de 2012

De Onde Vens e Para Onde Vais?

   A cidade onde vivo e trabalho hoje é muito diferente da cidade onde cresci e estudei; em especial no que diz respeito ao clima.
   Aqui é quente quase o ano inteiro, o calor é onipresente, com talvez uma ou outra semana de frio mais intenso, entretanto tolerável, durante o inverno. O frio, por aqui, sente-se no corpo, mas nunca chega até a alma... o sol é conhecido das pessoas, familiar, de presença constante na vida de todos. E mesmo quando não há sol, quando este já se pôs, misteriosamente, há calor!
   Por outro lado, de onde venho, o frio é burocrático... constante e infindável, com talvez uma ou duas semanas glaciais durante a estação do inverno. Um frango de supermercado, naquela cidade, custa a descongelar em cima da pia... como se demorasse a entender que alguém o tirou do freezer.
   O sol, por aquelas bandas, é um estranho... nas raras vezes em que aparece, sentimo-nos constrangidos em sua presença. Somos muito mais parceiros das nuvens e das suas finas garoas.
   O calor, por lá, não é verdadeiramente calor.
   Outro grande contraste é a umidade relativa do ar. Para mim, essa diferença é muito relevante, pois ao longo de toda minha infância e juventude, cultivei uma rinite também burocrática, cheia de procedimentos e prazos inesgotáveis.
   Na cidade de onde vim, as roupas não secam no varal. A umidade impregna as roupas. Os ácaros têm onde morar, onde comer e onde beber. Mesmo hoje, meu nariz coça e meus olhos incham levemente só de pensar.
   Por outro lado, moro atualmente num lugar em que a umidade relativa do ar, em alguns meses do ano, alcança níveis de regiões desérticas. As roupas ficam duras de tão secas no varal e ninguém entende porque o utensílio doméstico chama-se escorredor de pratos, pois a água nunca chega a escorrer. Desde que me mudei, não me dediquei mais à criação de rinites.
   Pensei hoje nessas coisas porque, por conta da migração demográfica que os concursos públicos causam, uma servidora que morava na mesma cidade onde cresci, veio parar também por essas bandas. Conversando com Adriane, dei-me conta de que há muito tempo não visito aquela minha terra. Depois da conversa, lembrei-me de muitas coisas, pessoas e lugares, mas foi o clima que ficou mais tempo sendo reprisando em minha mente. Não posso dizer com certeza, mas acho que senti saudades.
   Cheguei a pensar como seria ser um burocrata na minha antiga cidade. Imaginei-me andando por um corredor cheio de processos e um vento gelado correndo sem parar por minhas orelhas. Imaginei-me cortando a ponta do indicador na lâmina do papel sulfite numa manhã de inverno qualquer. Imaginei-me xingando a mãe, o pai e todos os santos. Imaginei as pessoas, retraídas de frio, perambulando pela repartição. Imaginei a rinite escorrendo pelos papéis. Imaginei-me, por fim, abrindo lentamente um processo. Espirrei. Se cheguei a sentir saudades, passou.
   Cheguei à conclusão de que o clima da cidade que deixei há tantos anos preparou-me bem para o ambiente frio da burocracia... mas que nada me preparou para o frio daquela cidade.