13 de abril de 2012

Pescador de Conversas

   Ontem, numa conversa, lembrei-me da cidade onde cresci. Vieram-me as recordações e elas me inundaram por longas horas. Das memórias, escrevi neste blog aquilo que mais me impressionou.
   Hoje, num caminho inverso, lembrando-me da cidade de onde saí, recordei uma conversa. Dentre infinitas conversas possíveis, essa uma foi a que, nesta data, não me largou os pensamentos.
   Há alguns anos atrás, depois de ter passado uma temporada trabalhando na cozinha de um navio de cruzeiros, decidi que iria morar no Rio de Janeiro e tornar-me escritor.
   A juventude tem a virtude de fazer com que as coisas pareçam ser constrangedoramente simples. É um engano, todos o sabemos depois que deixamos de ser jovens, mas não deixa de ser uma virtude.
   Diante da simplicidade do plano, acreditei-me apto a realizá-lo. Arranjei, por telefone, um quarto em Santa Tereza, levantei minhas economias e preparei-me para a mudança.
   Antes disso, entretanto, passei na faculdade onde havia me formado em Filosofia para colher alguns conselhos de meus professores. Quem melhor que um professor de Filosofia para oferecer a um jovem ansioso pela literatura algumas palavras de sabedoria?
   Era o período de férias na Universidade, mas ainda assim encontrei um dos mestres (que, na verdade, eram doutores) perambulando pelos corredores. Chamei-o para um café e explanei-lhe o meu plano em toda a sua genial simplicidade.
   Ponderou comigo que a dedicação constante à escrita era uma qualidade em meu projeto, mas que ele também possuía um ponto fraco preocupante. Dinheiro. Eu ainda tinha algumas reservas, é verdade, mas e depois que elas acabassem? Isso prejudicaria justamente o que o meu projeto tinha de bom.
   Eu não queria ouvir aquilo. Lembro-me de ter argumentado que, acabando-se as economias, iria arranjar um emprego que me garantisse a subsistência (devo ter mencionado algo como caixa de supermercado) e seguiria escrevendo.
   A simplicidade da juventude não é muito bem fundamentada... por isso é tão simples.
   Diante disso, com a paciência dos docentes, disse-me que eu deveria considerar um emprego público... talvez no judiciário, pois assim resolveria o ponto fraco de meu plano e não prejudicaria tanto o seu ponto mais forte. Não escreveria nem leria tanto, é verdade, mas poderia ler e escrever todos os dias sem ter a preocupação de pagar o aluguel bufando em meu pescoço durante quinze dias em cada mês.
   À época achei um absurdo uma proposta daquelas (tornar-me um burocrata?!) e deixei aquela conversa um pouco chateado, considerando que não havia sido capaz de convencer aquele professor da infinita potencialidade de minhas aspirações em seu estado puro.
   Passaram-se mais de cinco anos desde aquela conversa. Saí de minha cidade, como o planejado, mudei-me para o Rio de Janeiro, com a simplicidade prevista, escrevi e li o quanto pude, até que o dinheiro escasseou e, por fim, findou-se.
   O aluguel mordendo-lhe os calcanhares durante quinze dias ininterruptos não lhe deixa escrever... tampouco ler. A ajuda financeira dos pais e irmão não apascenta o espírito. 
   Por algumas dessas voltas da vida, peguei-me estudando para concursos públicos. Ingressei no poder judiciário. Hoje, como vêem, não me tornei escritor, mas consigo escrever todos os dias e ler em suaves parcelas o que me apetece.
   Fico remoendo se aquele professor já sabia de alguma coisa... ou se eu me deixei influenciar por aquelas palavras. Por certo, disso se seguirão mais algumas longas horas de um insistente ruminar de memórias.