16 de abril de 2012

Metáforas

   Nesta semana, caiu-me nas mãos um velho livro sobre Direito Processual de um alemão chamado James Goldschmidt. Verdade é que estou aprendendo mais sobre a matéria com esta tradução amarelada de 1936 que com os manuais ultra atualizados do mercado editorial jurídico nacional.
   Ao contrário dos alemães da filosofia moderna, Goldschmidt é claro. Chamou-me a atenção, no início da obra, uma metáfora utilizada pelo autor para explicar o que é o processo judicial. Diz Goldschmidt que o processo judicial é como uma consulta médica: Primeiro, chega o paciente reclamando de tudo; o médico ouve atentamente, escuta-lhe os pulmões e o coração. No Direito, esse é o pedido inicial da parte, que o juiz, como o médico, deve escutar e ouvir atentamente.
   Em seguida, o médico deve definir o quê das reclamações são sintomas. O juiz, por sua vez, tal como o médico, deve definir quais dos fatos narrados, são questões jurídicas.
   Num terceiro momento, faz o médico um diagnóstico, caracterizando os sintomas como alguma doença conhecida pela medicina. O mesmo faz o juiz no âmbito jurídico, determinando a qual tipo legal corresponde o fato jurídico.
   Finalmente, o médico prescreve o tratamento. Por sua vez, o juiz determina as conseqüências que se seguem da aplicação da lei ao fato concreto. Fim do processo, fim da comparação. Quem entendeu, entendeu.
   A metáfora de Goldschmidt tem a qualidade inestimável da simplicidade e da clareza.
   Entretanto, como burocrata do poder judiciário, peguei-me indagando qual seria o meu papel nessa metáfora de Goldschmidt. Onde se encaixam os burocratas nessa grande comparação médica do jurista alemão?
   Não somos os doentes. Não somos os médicos.
   Somos os motoristas das ambulâncias, somos os atendentes nos balcões do pronto-socorro, somos os enfermeiros, os técnicos de laboratório que analisam as amostras de fezes e urina, somos os operadores das máquinas de Raios-X, que têm câncer depois de alguns anos de trabalho, continuamente expostos à radioatividade.
   Infelizmente, inserir-nos na pintura de Goldschmidt enfraqueceria demais a metáfora. Mantenhamo-nos de fora pelo bem da literatura.