24 de abril de 2012

Pink Floyd - The Wall

   Já mencionei neste espaço a existência de um estagiário chamado Matheus. Trabalha no Setor de Protocolo.
   Também já mencionei que a burocracia é autofágica.
   A burocracia é previdente, ela não vive apenas de servidores. Ela cultiva estagiários; recruta-os para garantir a inércia da grande maquinaria do judiciário; ela repõe suas próprias peças. A burocracia é sustentável. E nessa semeadura, visando uma colheita futura, devo dar o braço a torcer, a burocracia aposta alto e assume riscos absurdos.
   Por mais improvável e néscio que seja o estagiário, a burocracia raramente o descarta; ao contrário, acolhe-o. A burocracia parte do princípio que qualquer um pode ser um burocrata. Qualquer um. E a burocracia, nisso, tem lá sua dose de razão. A burocracia forja o individuo à sua imagem e imperfeição, através de uma repetição maciça de rotinas, procedimentos, serviços... Qual indivíduo? Qualquer um.
   Até mesmo eu. Até mesmo o Matheus, que, suspeito, seja o aprendiz mais improvável à burocracia.
   Matheus está há quase um ano dentro do sistema. Quando entrou, estava à beira de largar os estudos (pois os estudos já o haviam largado há certo tempo) para dedicar-se ao nobre ofício de apreciar bebidas alcoólicas e ouvir músicas do século passado. Ponderou que pretendia fazê-lo em período integral, sob o regime de dedicação exclusiva.
   Não digo isso ironicamente. Essa era efetivamente a opção que mais atraía o espírito desse estagiário. Para concretizá-la, precisava apenas escolher os destilados e o tipo de rock'n roll. Isso há menos de um ano atrás.
   Outro dia veio me falar que pretende estudar para fazer a faculdade de Direito. Direito! E as bebidas? E Pink Floyd? Onde foi parar "We don't need no education"? Matheus não parou por aí, além disso, contou-me que especula entrar para o serviço público... no poder judiciário. No Judiciário! O que foi feito de "We don't need no tough control?". Considerou que precisa de um pouco de estabilidade para conseguir realizar as coisas que deseja: Enfim, "Just another brick in the wall".
   E alguns têm a pachorra de dizer que o irônico sou eu!
   O inesperado acontece. Para mim, de maneira inesperada. A burocracia, entretanto,  parece saber exatamente o que esperar de cada um; até mesmo de uma impossibilidade matemática como o Matheus. Não sei como ela consegue, mas ela é muito boa na perpetuação de si mesma.
   O estágio de Matheus prossegue, como não poderia deixar de ser. Mais um burocrata em potencial. Vida longa à burocracia.