4 de novembro de 2013

Do tempo na burocracia

  Se entrarmos no mar e, nadando, atravessarmos a faixa de arrebentação, dali para o fundo as ondas parecerão subir e descer sempre no mesmo lugar, como se estivessem, sempre, apenas a se repetir. Ora ameaçando - sem muita vontade, é verdade - desgarrar-se do oceano, ora nele se afundando - sem muita pressão - como os dedos de um médico em nosso abdômen. 
  No entanto, apesar dessa aparência, as marolas, de modo quase imperceptível, se movem. 
  Se, boiando, ainda depois da arrebentação, observarmos, por exemplo, uma alga, veremos que, aos poucos, ela se afastará de nós. E assim, vagarosamente, entre nós e alga, abrir-se-á a distância de um braço, de um corpo e logo, o que parecia tão próximo, parecerá estranhamente distante, ora surgindo, ora sumindo no marolar das ondas. E nessa repetição de um movimento sutil, mas constante, entre nós e a alga haverá um oceano de distância, talvez a distância de um hemisfério.
  Assim é o tempo na burocracia. Tal qual as ondas após a arrebentação, também o tempo na repartição parece não se mover, parece apenas se repetir. 
  Todavia, esse tempo, sutilmente, leva para longe de nós o que de nós flutua no tempo: nossos sonhos. Abre-se entre nós a distância de um dia, um mês... até que o sonho desaparece no leve marolar do passado, entre um processo e outro.
  Eu, às vezes, ao sentir a distância que se abre entre mim e meu sonho, tento manter a cabeça para fora d'água e enxergar, entre um subir e descer das águas, aquilo que um dia imaginei mais próximo.
  Por isso, talvez, mantenha esse blog.