2 de novembro de 2013

Sobre a memória na burocracia

  A burocracia não tem memória, no sentido emotivo do termo. Ela não precisa do próprio passado para construir a si mesma no presente.
  Ela se realiza, a todo instante, a partir da Lei, e a lei é sempre atual e desprovida de qualquer emoção.
  Quando muito, pode-se dizer que a burocracia tem estatísticas de eventos passados. Um amontoado de dados, constantemente atualizados.
  O pretérito perde o sentido na eterna realização do presente burocrático. O passado é desnecessário no dia-a-dia da burocracia.
  Essa ausência do "antes" tornam os dias rigorosamente iguais e sem emoção.
  Essa é uma das características do serviço público que me exasperam, porque, aos poucos, talvez em função da rotina num ambiente sem passado, percebo que deixo de acessar minha própria memória, minhas próprias emoções.
  Outro dia, no entanto, conversando com colegas de repartição sobre o passado individual de cada um, lembrei-me que, quando criança, entre 3-5 anos, gostava muito de comer pés de galinha e que a última vez que tinha saboreado a iguaria fora nesse passado remoto.
  Dias depois, Sueli, uma servidora que está às portas da aposentadoria, trouxe-me um tupperware repleto de pés de galinha cozidos.
  Esse pequeno acontecimento fez-me retomar um lado mnemônico e emocional, que até mesmo os burocratas possuem, mas que se perde na rotina da secretaria.
  Em casa, comi os pés numa sentada.
  E falando em memória, não posso me esquecer de devolver a vasilha para Sueli.