1 de novembro de 2013

Não existe tiro acidental em bairro nobre

  Há alguns meses atrás chegou ao gabinete do juízo onde trabalho, um processo. Mais um dentre os que chegam todos os dias.
  Mas esse chamou-me a atenção. Era o pedido de uma mulher, assentada em terras do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, que narrava a seguinte história: Havia recebido o documento que indicava como sua a parcela de terra, havia sido registrada no órgão público, mas, ao chegar no local, havia outro parceleiro ocupando a propriedade.
  Reclamou no INCRA outra parcela. A administração pública não apenas negou o pedido, como revogou o seu título de concessão de uso da terra, sob o argumento de que aquela era uma questão administrativa.
  Sentindo-se lesada em seu direito constitucional ao acesso à terra, recorreu ao judiciário.
  Caiu-me no colo essa narrativa.
  Para redigir a minuta da decisão judicial, como sempre, recorri à Jurisprudência nacional, para saber o que os tribunais do País estavam decidindo sobre o assunto.
  Digitei as seguintes palavras-chave no repositório de jurisprudência da Justiça Federal: "dignidade humana" e "reforma agrária".
  A resposta da busca é que me deixou intrigado. No Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, essas palavras-chave retornam apenas decisões sobre o pagamento, por parte do governo, de terras desapropriadas para fins de reforma agrária, medição das terras, questões tributárias. Não há nenhuma decisão sobre o direito de assentados, apenas sobre o direito dos proprietários de terras.
  A Máquina Judiciária e os princípios da dignidade da pessoa humana, não alcançam a todos. Ou seriam os assentamentos rurais locais onde os direitos humanos não são nunca lesados e, por isso, não chegam a formar precedentes significantes no poder judiciário?
  Fico com a primeira assertiva.