8 de fevereiro de 2014

NYMPH()MANIAC

   Esta semana fui assistir ao filme "Ninfomaníaca", do diretor Lars Von Trier.
   A primeira cena mostra um beco formado pelas paredes de antigos prédios de tijolos à vista. Não há ninguém ali. Neva.
   O plano seguinte é extremamente fechado e acompanha um fio de água que escorre pela parede, pela face dos tijolos, até chegar ao concreto cru da laje. O plano é tão fechado que vemos as ranhuras do cimento. Dali, a água se lança no vazio. A câmera acompanha, de perto, a queda que tem fim numa tampa de lixeira e se dissipa sobre a superfície metálica.
   Ao final desse plano vemos de novo o beco, agora com um corpo caído no chão.
   Como viera parar ali? Algo foi perdido enquanto o diretor esfregava na cara do espectador o fio d'água a escorrer.
   O que se perdeu? Perdeu-se a história daquele corpo caído no chão frio, como viera parar ali. Caíra? Arrastara-se? Fora deixado ali?
   Enquanto olhávamos para a água que escorria, perdemos a história do corpo.
   O mesmo ocorre, mais adiante na narrativa, quando o diretor nos mostra, num plano igualmente fechado, o líquido vaginal a escorrer pela perna da personagem principal que, ao lado de um leito hospitalar, acompanha a lenta morte do pai. Algo se perde enquanto observamos o lento escorrer daquela gota de excitação.
   O que se perde? O que se perde quando Lars Von Trier esfrega na cara do espectador uma sequência de falos? Perde-se justamente a história do mesmo corpo que perdemos no início do filme, enquanto acompanhávamos o escorrer do fio d'água.
   Permitam-me uma correção. A história do corpo, a temos ao longo do filme. O que perdemos é a história da alma.
   O filme ao que parece, não é sobre o que está explícito, sobre o que está, a todo momento sendo colocado diante dos olhos do espectador, mas sobre o que se perde na explicitude.
   O que se perde? Essa pergunta ressoa ao final da sessão.

   O que perdemos enquanto o mundo esfrega a vida em nossas caras? O que perdemos da política enquanto esfregam as leis em nossas caras? O que se perde enquanto nos ocupamos do explícito?
   O constrangedor está no que se mostra? Ou no que se perde enquanto esfregam nossas caras no explícito?
   Parece-me uma questão relevante numa época de Edward Snowden e Julien Assange.