13 de março de 2014

Pólis Tupiniquim

   O processo de naturalização de um estrangeiro no Brasil é competência do Poder Executivo, mais especificamente do Ministério da Justiça.
   Depois de feitas todas as averiguações e concedida a naturalização, cabe ao Poder Judiciário apenas a entrega do certificado. O ato solene.
   Nessa ocasião é possível testemunhar um estrangeiro transformar-se num brasileiro.
   Não me canso de ver essa transmutação.

   Bem, ocorre que há muito tempo, quando ainda cursava o segundo ano da faculdade de filosofia e mal completara meus 18 anos, matriculei-me no curso de Filosofia Política.
   Na primeira aula dessa disciplina, o professor Ramos citou uma frase de Aristóteles que me acompanha desde então. Um homem que viva fora da Pólis deve ser um deus ou uma besta.
   A sentença era, por si só, impactante. Mas me lembro de não concordar plenamente com a afirmação. O vinculo do meu ser com a cidade ou o País onde vivia, não me parecia ser tão incontornável quanto as considerações do filósofo.
   Não me enxergava tão ligado à minha "pólis", nem me via como um deus ou uma besta.
   Faltava-me, por óbvio, conhecimento sobre mim mesmo e sobre o mundo que me cercava. Por essa razão, não conseguia preencher de sentido a sentença aristotélica.

   Semana passada na sala de audiências do cartório judicial onde trabalho, ocorreu a audiência de naturalização de Ahmad.
   Ahmad era um senhor jordaniano de sessenta e poucos anos que se radicara no Brasil há mais de 40 anos.
   No momento em que lhe foram dadas as boas vindas à "Pólis" tupiniquim Ahmad caiu em prantos e disse: "Minha mulher, com quem vivi minha vida inteira e que o câncer levou de mim, era brasileira, meus filhos são brasileiros, meus netos são brasileiros e agora eu sou brasileiro. Agora eu posso me juntar aos meus".
   Confesso que fiquei emocionado. Na alegria de Ahmad pude entender um pouco o peso das palavras de Aristóteles. Pude vislumbrar a relação íntima que existe entre a pólis e o ser de um indivíduo que não pode viver fora dela sem perder algo de sua própria humanidade. 
   Aprendi mais sobre filosofia política naquela tarde que nos artigos de filosofia grega.