17 de março de 2014

Uma piada sem graça

   Outro dia, Sueli, uma servidora de quem já falei nesse espaço e que há muito tempo flerta e fantasia com a aposentadoria, resolveu, por alguns momentos, não mais se angustiar com sua futura inatividade e contar uma piada.
   Era uma dessas anedotas propositalmente longas, cujo objetivo é ferir o ouvinte com um final frustrante.   A famosa piada sem graça, cuja única graça está em ver no rosto das pessoas a expectativa crescente seguida da decepção indisfarçável diante do desfecho banal.
   Sueli, ao longo da narrativa, tentava conter o riso, mas, de vez em quando, não suportava e ria-se de nossos semblantes ignorantes do rumo daquela história. E contava mais um pouco da piada, e ria-se. E assim arrastou-se a anedota até o final.
   A piada foi contada próximo às seis horas da tarde, para fechar o expediente.
   Voltei para casa com aquele largo sorriso zombeteiro na cabeça. "Palhaçada!" - ponderei.
   No dia seguinte, folheando um desses processos que se arrastam ao longo dos anos pelos cartórios judiciais, lembrei-me da risada de Sueli.
   Os grandes volumes amarrados uns aos outros com barbante, as folhas amareladas, os pedidos de décadas atrás, batidos na máquina de escrever, o cheiro de papel velho, as incontáveis idas e vindas processuais. Tudo aquilo me pareceu uma longa anedota sem graça, rumo a um final frustrante, pois depois de décadas, com os autores já mortos, sucedidos pelos herdeiros, não há decisão que possa ser justa.
   Quase pude ouvir o riso contido do Sistema, lutando para esconder aquela montoeira de dentes, fartando-se às custas de nossos semblantes desapontados.
   Fechei o processo, dei-lhe o andamento cabível - mais um dentre tantos rumo ao desfecho banal - e ponderei: "Palhaçada!".
   Agora, a pergunta ensurdecedora é: "Quem é o Sistema que se ri à farta de nossa cara?".