O PT
alcançou, no primeiro turno das eleições presidenciais deste ano,
31 (trinta e um) milhões de votos: 29% do eleitorado.
Essa
sempre foi a base histórica de votos garantida pelo partido desde a
redemocratização.
Nunca
foi suficiente. Ao menos não para vencer eleições majoritárias.
O
partido chegou ao segundo turno amparado por essa base histórica,
mas necessitando se reinventar: fazer a tão exigida autocrítica sem
descartar tudo o que fora alcançado em 14 anos de governo, virar-se
sem o carisma de Lula mas sem negar sua importância e simbolismo,
superar a indignação e a raiva do eleitorado reconhecendo os
sentimentos que moviam suas escolhas.
Só
que essa reinvenção, tão complicada, tão cheia de meandros, quase
contraditória, precisava ser feita sem que se perdesse a base. Era
preciso se reinventar sem perder a identidade.
Tal
tarefa foi dada a um “poste político” - nas palavras da oposição
– Fernando Haddad; um nome sem consenso mesmo dentro do próprio
PT.
Ocorre
que este poste tinha como ofício o magistério. Era professor. E o
encargo último de um professor não é outro senão transformar
seres humanos; fazer com que o indivíduo reconheça em si as
características, as limitações, as preferências, as dúvidas, as
certezas, os preconceitos que o moldam, que o determinam. E, a partir
desse reconhecimento, aprendendo sobre si, o sujeito pode tornar-se
outro, sem perder sua identidade.
Haddad,
como um professor que ajuda o aluno a reconhecer em si algo além do
que é e a apropriar-se do próprio potencial, do próprio futuro,
mostrou que o Partido dos Trabalhadores pode ser mais que uma
agremiação política em busca de poder ou apenas fundamentalmente
identificado com os brasileiros em sua condição de proletariado.
Haddad
mudou o PT nessas eleições, tornando-o explicitamente também o
partido dos homossexuais, bissexuais, travestis em suas lutas por
respeito e direitos, o partido dos portadores de deficiência – de
seus pais e de suas mães – em suas lutas por respeito e direitos,
o partido das mulheres em suas lutas por respeito e direitos, o
partido dos povos indígenas em sua luta por respeito e direitos, o
partido das mais diversas religiões em suas buscas por respeito e
direitos, o partido dos negros em suas buscas por respeito e
direitos, o partido dos mais pobres em busca de respeito e direitos,
o partido onde é possível discutir o respeito e o direito de cada
um ao meio ambiente, e também o partido dos trabalhadores em sua
busca histórica por respeito e direitos.
Para
reconhecer, respeitar e representar cada um desses interesses, o PT
precisou tornar-se o partido da democracia, pois só num contexto
democrático tantos interesses e direitos poderiam ser conciliados.
Essa
mudança não poderia se dar com a adição de um “D” hipócrita
na sigla. Não bastava a mudança das cores. Era preciso que o partido se tornasse verdadeiramente um
lugar democrático, acolhendo os anseios de cada um desses estratos
sociais que tomaram consciência de quem são em suas
individualidades, interesses e diferenças, e precisavam da
democracia para se concretizarem.
Esse
lugar democrático, sem demarcação precisa pois as linhas dos
interesses se afastam e espalham-se tornando difícil estabelecer
seus marcos, de repente ficou ameaçado durante as eleições.
Subitamente tornou-se imprescindível ocupá-lo e defendê-lo.
PSDB,
(P)MDB, Novo, PDT, REDE, abriram mão de ocupar esse espaço
impreciso e perigoso devido às contradições que carrega.
Fernando
Haddad, nesse processo, ajudou o PT a enfrentar suas limitações,
seus erros, e apresentou o partido como o ator político capaz e
desejoso de abraçar os anseios dessa multitude, de ocupar o campo
democrático e defendê-lo das insinuações autoritárias.
Ao
fim desse segundo turno, conseguiu 47 milhões de votos.
Ao
final da campanha, 16 milhões de eleitores além da base histórica,
compreenderam que a democracia é indispensável para contemplarmos
interesses tão múltiplos e variados. 16 milhões de brasileiros,
conscientemente, aderiram ao projeto democrático. 16 milhões de
votos foram dados, ainda que com ressalvas, ao Partido dos
Trabalhadores como esse lugar onde a democracia é possível.
Não
foi o suficiente para vencer a eleição, mas talvez tenha sido
suficiente para mudar o PT, ampliar a sua base histórica e torná-lo
o partido da democracia, por excelência.
Haddad transformou o PT num partido para todos, não para uma totlidade homogênea, massificada, mas um espaço onde cada um pode individualmente expressar seus anseios por direitos, discuti-los, reconhecê-los...
Cabe
agora ao partido mostrar a cada um desses eleitores que realmente
está disposto a acolher essa multitude de interesses. Cabe a
Fernando Haddad consolidar o PT nesse lugar democrático proposto
durante a campanha. Não há de ser uma disputa interna tranquila: o processo de reinvenção implica em negar-se e superar-se.
Cabe
a nós ocuparmos esse lugar tão contraditório chamado democracia.