28 de outubro de 2018

Aos perdedores


     O PT alcançou, no primeiro turno das eleições presidenciais deste ano, 31 (trinta e um) milhões de votos: 29% do eleitorado.

    Essa sempre foi a base histórica de votos garantida pelo partido desde a redemocratização.

    Nunca foi suficiente. Ao menos não para vencer eleições majoritárias.

    O partido chegou ao segundo turno amparado por essa base histórica, mas necessitando se reinventar: fazer a tão exigida autocrítica sem descartar tudo o que fora alcançado em 14 anos de governo, virar-se sem o carisma de Lula mas sem negar sua importância e simbolismo, superar a indignação e a raiva do eleitorado reconhecendo os sentimentos que moviam suas escolhas.

    Só que essa reinvenção, tão complicada, tão cheia de meandros, quase contraditória, precisava ser feita sem que se perdesse a base. Era preciso se reinventar sem perder a identidade.

    Tal tarefa foi dada a um “poste político” - nas palavras da oposição – Fernando Haddad; um nome sem consenso mesmo dentro do próprio PT.

    Ocorre que este poste tinha como ofício o magistério. Era professor. E o encargo último de um professor não é outro senão transformar seres humanos; fazer com que o indivíduo reconheça em si as características, as limitações, as preferências, as dúvidas, as certezas, os preconceitos que o moldam, que o determinam. E, a partir desse reconhecimento, aprendendo sobre si, o sujeito pode tornar-se outro, sem perder sua identidade.

    Haddad, como um professor que ajuda o aluno a reconhecer em si algo além do que é e a apropriar-se do próprio potencial, do próprio futuro, mostrou que o Partido dos Trabalhadores pode ser mais que uma agremiação política em busca de poder ou apenas fundamentalmente identificado com os brasileiros em sua condição de proletariado.

    Haddad mudou o PT nessas eleições, tornando-o explicitamente também o partido dos homossexuais, bissexuais, travestis em suas lutas por respeito e direitos, o partido dos portadores de deficiência – de seus pais e de suas mães – em suas lutas por respeito e direitos, o partido das mulheres em suas lutas por respeito e direitos, o partido dos povos indígenas em sua luta por respeito e direitos, o partido das mais diversas religiões em suas buscas por respeito e direitos, o partido dos negros em suas buscas por respeito e direitos, o partido dos mais pobres em busca de respeito e direitos, o partido onde é possível discutir o respeito e o direito de cada um ao meio ambiente, e também o partido dos trabalhadores em sua busca histórica por respeito e direitos.

    Para reconhecer, respeitar e representar cada um desses interesses, o PT precisou tornar-se o partido da democracia, pois só num contexto democrático tantos interesses e direitos poderiam ser conciliados.

    Essa mudança não poderia se dar com a adição de um “D” hipócrita na sigla. Não bastava a mudança das cores. Era preciso que o partido se tornasse verdadeiramente um lugar democrático, acolhendo os anseios de cada um desses estratos sociais que tomaram consciência de quem são em suas individualidades, interesses e diferenças, e precisavam da democracia para se concretizarem.

    Esse lugar democrático, sem demarcação precisa pois as linhas dos interesses se afastam e espalham-se tornando difícil estabelecer seus marcos, de repente ficou ameaçado durante as eleições. Subitamente tornou-se imprescindível ocupá-lo e defendê-lo.

    PSDB, (P)MDB, Novo, PDT, REDE, abriram mão de ocupar esse espaço impreciso e perigoso devido às contradições que carrega.

    Fernando Haddad, nesse processo, ajudou o PT a enfrentar suas limitações, seus erros, e apresentou o partido como o ator político capaz e desejoso de abraçar os anseios dessa multitude, de ocupar o campo democrático e defendê-lo das insinuações autoritárias.

    Ao fim desse segundo turno, conseguiu 47 milhões de votos.

    Ao final da campanha, 16 milhões de eleitores além da base histórica, compreenderam que a democracia é indispensável para contemplarmos interesses tão múltiplos e variados. 16 milhões de brasileiros, conscientemente, aderiram ao projeto democrático. 16 milhões de votos foram dados, ainda que com ressalvas, ao Partido dos Trabalhadores como esse lugar onde a democracia é possível.

    Não foi o suficiente para vencer a eleição, mas talvez tenha sido suficiente para mudar o PT, ampliar a sua base histórica e torná-lo o partido da democracia, por excelência.

     Haddad transformou o PT num partido para todos, não para uma totlidade homogênea, massificada, mas um espaço onde cada um pode individualmente expressar seus anseios por direitos, discuti-los, reconhecê-los...

    Cabe agora ao partido mostrar a cada um desses eleitores que realmente está disposto a acolher essa multitude de interesses. Cabe a Fernando Haddad consolidar o PT nesse lugar democrático proposto durante a campanha. Não há de ser uma disputa interna tranquila: o processo de reinvenção implica em negar-se e superar-se.

     Cabe a nós ocuparmos esse lugar tão contraditório chamado democracia.